segunda-feira, 24 de novembro de 2008

No dia 18 de novembro – data da fundação da Soka Gakkai - meu pai faria 87 anos. Recebi um e-mail afetuoso que segue abaixo, com minha resposta.

Oi, tudo bem?

Li no seu blog sobre seu pai.
Gostaria de também compartilhar meus sentimentos sobre ele que, para mim, foi um verdadeiro pai.

Tive a boa sorte de encontrá-lo em minha juventude, pois ele me conduziu à prática da fé e ao caminho de mestre e discípulo.

O Grande Mestre Tientai afirma: "Um doutor superior ouve a voz de um paciente para diagnosticar sua doença (...), um doutor médio o faz observando a coloração facial e a fisionomia, e o doutor inferior examinando o pulso" (BS 1064).

Tal como um médico superior, seu pai ia diretamente ao ponto essencial da doença (espiritual) e, com seu jeito rigoroso e sem rodeios, desestruturava qualquer casa mal construída e, então, com sua benevolência, ajudava a reerguê-la firme e imponente, como um castelo - o castelo da felicidade.

Ele era assim, sua fala continha muitos significados simbólicos, era preciso muita reflexão para entendê-lo. Mas quem conseguiu entendê-lo, hoje permanece fiel a todos os princípios éticos que ele ensinou.

Era um mestre na arte de ensinar, pois nos fazia buscar nas profundezas da vida o significado de seus diálogos. Era como Sakyamuni usando as parábolas para conduzir seus discípulos ao estado de Buda.

As parábolas incitam a imaginação, quebram pré-conceitos, abrem a percepção e formulam novos conceitos, e neste ritmo dialógico, a pessoa vai se refazendo, se construindo, se transformando...

Diz-se que "o espaço é a condição necessária para o movimento, e o movimento a condição fundamental para a mudança". Então, no espaço do diálogo com o seu pai criou-se uma onda de movimento de grandes valores humanos.

Quantas saudades!

Tive o privilégio de ganhar sete pedrinhas do túmulo dos Três Mártires de Atsuhara. Na ocasião, ele me disse: "Essas pedras tem um profundo significado". Era 10 de setembro de 1990. Guardo essas pedras como um tesouro. Quando as vejo, um misto de nostalgia invade meu ser. Ali estão contidos: perseverança, lealdade e coragem.

Sou grata ao sr. Sakamoto!

Com carinho, Maria José.

Olá.

Obrigado pelas palavras carinhosas. Também sinto saudades do meu pai.

Embora fosse meu pai, na juventude convivi pouco com ele. Desde cedo percebi que ele não poderia me dispensar muita atenção e, tanto eu como meus irmãos, aprendemos que aquele pai não nos pertencia.

Sempre tive muito orgulho de tê-lo como pai, e apenas nos últimos anos é que pudemos conviver com um pouco mais de proximidade, de forma mais livre, e pude reconhecer com mais clareza sua grandeza de espírito.

A forma corajosa e magnânima com que ele lidou e enfrentou a doença me deixou profundamente comovido. Fui um observador privilegiado de um homem que transbordava energia e amava a vida, sempre repleto de vibração, e que se recusava a ser derrotado. Conservo a visão de seus últimos dias, já impossibilitado de falar, com o corpo já enfraquecido pela idade e pela doença, mas com os olhos brilhando de vida.

Às vezes parece que ainda o vejo por aí, caminhando pelas ruas daquele seu jeito rápido de andar, meio que arrastando os pés.

Às vezes acho que ele ainda está por aí, nos observando, calado. E acho que às vezes ele se orgulha, outras vezes ele se preocupa... mas sempre com aquele ar de quem cumpriu seu trabalho, sem dever nada a ninguém... e com os olhos faiscando de rigorosidade e benevolência...

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Trechos do elegante discurso de John McCain, reconhecendo a vitória de Barack Obama - ética, respeito, seriedade e amor à nação e às instituições democráticas.

Meus amigos, nós chegamos ao fim de uma longa jornada.

O povo americano falou, e falou claramente.

Há pouco, tive a honra de telefonar para o senador Barack Obama
para parabenizá-lo.

Em uma disputa tão longa e difícil quanto foi a dessa campanha, o sucesso dele demanda meu respeito por sua habilidade e perseverança.

Esta é uma eleição histórica, e reconheço o significado especial que ela tem para os afro-americanos e para o orgulho todo especial, que deve ser deles nesta noite.

O senador Obama e eu tivemos e discutimos sobre nossas diferenças, e ele prevaleceu. Sem dúvida muitas dessas diferenças permanecem.

Estes são tempos difíceis para o nosso país. E eu prometo a ele esta noite fazer tudo em meu poder para ajudá-lo a nos liderar através dos muitos desafios que vamos encarar.

Peço a todos os americanos que me apoiaram que se juntem a mim não apenas para parabenizá-lo, mas para oferecer ao nosso próximo presidente nossa boa vontade e nossos esforços mais honestos para encontrar modos de nos unirmos a fim de efetuarmos os compromissos necessários para superar nossas diferenças e ajudar a restaurar nossa prosperidade, defender nossa segurança em um mundo perigoso, e deixar para nossos filhos e netos um país melhor e mais forte do que o que herdamos.

Sejam quais forem nossas diferenças, somos todos americanos. E por favor acreditem em mim quando digo que nenhuma ligação jamais significou mais para mim do que essa.

É natural, nesta noite, sentir algum desapontamento. Mas amanhã teremos de seguir adiante e trabalhar em conjunto para colocar nosso país em movimento de novo.

Lutamos tão duro quanto pudemos. E embora tenhamos chegado perto, a falha foi minha, não de vocês.

Estou tão profundamente grato a todos vocês pela grande honra do seu apoio e por tudo que vocês fizeram por mim. Eu gostaria que o resultado tivesse sido diferente, meus amigos.

A estrada foi difícil desde o começo, mas o seu apoio e amizade nunca se abalaram. Não poderia expressar de modo adequado o quanto estou profundamente em débito com vocês.

Eu não sei o que mais eu poderia ter feito para tentar vencer essa eleição. Deixarei isso a outros para determinar. Todo candidato comete erros, e tenho certeza de que cometi minha parcela deles. Mas não vou gastar um minuto do futuro lamentando o que poderia ter sido.

Essa campanha foi e vai permanecer como a grande honra da minha vida, e meu coração está cheio de nada menos que gratidão pela experiência e pelo povo americano por me conceder uma oportunidade justa antes de decidir que o senador Obama e meu velho amigo, o senador Joe Biden, deveriam ter a honra de nos liderar pelos próximos quatro anos.

Eu não seria um americano digno desse nome se lamentasse um destino que me permitiu ter o privilégio extraordinário de servir a esse país por meio século.

Hoje, fui um candidato ao posto mais alto do país que amo tanto. E esta noite permaneço um servo. Isso é benção suficiente para qualquer um.

Esta noite --esta noite, mais do que em qualquer outra noite, tenho em meu coração nada mais que amor por esse país e por todos os seus cidadãos, tenham apoiado a mim ou ao senador Obama.

Desejo boa sorte ao homem que foi meu oponente e será meu presidente.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Trechos do discurso da vitória de Barack Obama, numa noite memorável em Chicago

Se alguém ainda duvida de que a América é um lugar onde tudo é possível, se ainda pergunta se o sonho dos pioneiros ainda estão vivos em nossos tempos, se ainda questiona o poder da nossa democracia, esta noite é sua resposta.

É a resposta das filas que cercaram escolas e igrejas em números que esta nação nunca havia visto. Das pessoas que esperaram três, quatro horas, muitas pela primeira vez em suas vidas, porque acreditavam que desta vez precisava ser diferente, que suas vozes podiam fazer diferença.

É a resposta de jovens e idosos, ricos e pobres, democratas e republicanos, negros, brancos, hispânicos, asiáticos, índios, gays, heterossexuais, deficientes e não-deficientes. Americanos que enviaram uma mensagem ao mundo de que nós nunca fomos somente uma coleção de indivíduos ou uma coleção de Estados vermelhos e azuis.

Nos somos, e sempre seremos, os Estados Unidos da América.

É a resposta que deram aqueles que ouviram - por tanto tempo e de tantos - para serem cínicos, medrosos e hesitantes sobre o que poderiam realizar para colocar a mão no arco da história e torcê-lo uma vez mais, na esperança de dias melhores.

Faz muito tempo. Porém, nesta noite, por causa do que fizemos neste dia de eleição, neste momento decisivo, a mudança chegou à América.

Acima de tudo, eu nunca esquecerei a quem esta vitória realmente pertence. Isto pertence a vocês. Isto pertence a vocês.

Nunca fui o candidato favorito na disputa por esse cargo. Nós não começamos com muito dinheiro ou muitos endossos. Nossa campanha não nasceu nos corredores de Washington. Nasceu nos jardins de Des Moines, nas salas de Concord e nos portões de Charleston. Foi construída por homens e mulheres trabalhadores que cavaram as pequenas poupanças que tinham para dar US$ 5, US$ 10 e US$ 20 para essa causa.

Ela [a campanha] cresceu com a força dos jovens que rejeitaram o mito de apatia da sua geração e deixaram suas casas e suas famílias por empregos que ofereciam baixo salário e menos sono.
Ela tirou suas forças de pessoas não tão jovens assim que bravamente enfrentaram frio e calor para bater às portas de estranhos e dos milhões de americanos que se voluntariaram e se organizaram e provaram que, mais de dois séculos mais tarde, o governo do povo, pelo povo e para o povo não desapareceu da Terra.

Esta é a nossa vitória.

E eu sei que vocês não fizeram isso só para ganhar uma eleição. Sei que vocês não fizeram tudo isso por mim. Vocês fizeram isso porque entendem a grandiosidade da tarefa que temos pela frente.

Podemos comemorar nesta noite, mas entendemos que os desafios que virão amanhã serão os maiores de nossos tempos - duas guerras, um planeta em perigo, a pior crise financeira do século.
O caminho será longo. Nossa subida será íngreme. Nós talvez não cheguemos lá em um ano ou mesmo em um mandato. Mas, América, nunca estive mais esperançoso de que chegaremos lá. Prometo a vocês que nós, como pessoas, chegaremos lá.

Haverá atrasos e falsos inícios. Muitos não irão concordar com todas as decisões ou políticas que vou adotar como presidente. E nós sabemos que o governo não pode resolver todos os problemas. Mas sempre serei honesto com vocês sobre os desafios que enfrentar. Vou ouvir vocês, especialmente quando discordarmos. E, acima de tudo, vou pedir que vocês participem do trabalho de refazer esta nação, do jeito que tem sido feito na América há 221 anos - bloco por bloco, tijolo por tijolo, mão calejada por mão calejada.

O que começamos 21 meses atrás no inverno não pode terminar nesta noite de outono. Esta vitória, isolada, não é a mudança que buscamos. Ela é a única chance para fazermos essa diferença. E isso não vai acontecer se voltarmos ao modo como as coisas eram. Isso não pode ocorrer com vocês, sem um novo espírito de serviço, um novo espírito de sacrifício.

Então exijamos um novo espírito de patriotismo, de responsabilidade, com o qual cada um de nós irá levantar e trabalhar ainda mais e cuidar não apenas de nós mesmos mas também uns dos outros. Lembremos que, se essa crise financeira nos ensinou uma coisa, foi que não podemos ter uma próspera Wall Street enquanto a Main Street sofre.

Neste país, nós ascendemos ou caímos como uma nação, como um povo. Resistamos à tentação de voltar ao bipartidarismo, à mesquinhez e à imaturidade que envenenou nossa política por tanto tempo.

Como [o ex-presidente Abraham] Lincoln [1861-1865] afirmou para uma nação muito mais dividida que a nossa, nós não somos inimigos, e sim amigos. A paixão pode ter se acirrado, mas não pode quebrar nossos laços de afeição. E àqueles americanos cujo apoio eu ainda terei que merecer, eu talvez não tenha ganho seu voto hoje, mas ouço suas vozes. E preciso de sua ajuda. Serei seu presidente também.

E a todos aqueles que nos assistem nesta noite, além das nossas fronteiras, de parlamentos e palácios, àqueles que se reúnem ao redor de rádios, nas esquinas esquecidas do mundo, as nossas histórias são únicas, mas o nosso destino é partilhado, e uma nova aurora na liderança americana irá surgir.

Àqueles que destruiriam o nosso mundo: nós os derrotaremos. Àqueles que buscam paz e segurança: nós os apoiamos. E a todos que questionaram se o farol da América ainda ilumina tanto quanto antes: nesta noite nós provamos uma vez mais que a verdadeira força da nossa nação vem não da bravura das nossas armas ou o tamanho da nossa riqueza, mas do poder duradouro de nossos ideais: democracia, liberdade, oportunidade e inabalável esperança.

Este é o verdadeiro talento da América: a América pode mudar. Nossa união pode ser melhorada. O que já alcançamos nos dá esperança em relação ao que podemos e ao que devemos alcançar amanhã.

Esta eleição teve muitos "primeiros" e muitas histórias que serão contadas por gerações. Mas há uma que está em minha mente nesta noite, sobre uma mulher que votou em Atlanta. Ela seria como muitos dos outros milhões que ficaram em fila para ter a voz ouvida nesta eleição, não fosse por uma coisa: Ann Nixon Cooper tem 106 anos.

Ela nasceu apenas uma geração após a escravidão; uma época na qual não havia carros nas vias nem aviões nos céus; quando uma pessoa como ela não podia votar por dois motivos - porque era mulher ou por causa da cor da sua pele. Nesta noite penso em tudo que ela viu neste seu século na América - as dores e as esperanças, o esforço e o progresso, a época em que diziam que não podíamos, e as pessoas que continuaram com o credo: sim, nós podemos!

Em um tempo no qual vozes de mulheres eram silenciadas e suas esperanças descartadas, ela viveu para vê-las se levantar e ir às urnas. Sim, nós podemos!

Quando havia desespero nas tigelas empoeiradas e a depressão em toda parte, ela viu uma nação conquistar seu New Deal, novos empregos, um novo senso de comunidade. Sim, nós podemos!

Quando bombas caíam em nossos portos e a tirania ameaçava o mundo, ela estava lá para testemunhar uma geração chegar à grandeza, e a democracia foi salva. Sim, nós podemos!
Ela estava lá para ver os ônibus em Montgomery, as mangueiras em Birmingham, a ponte em Selma e um pregador de Atlanta que disse: "nós devemos superar!" Sim, nós podemos!

Um homem chegou à Lua, um muro caiu em Berlim, um mundo foi conectado por nossa ciência e imaginação. Neste ano, nesta eleição, ela tocou o dedo em uma tela e registrou o seu voto porque, após 106 anos na América, através dos melhores e dos mais escuros dos tempos, ela sabe que a América pode mudar. Sim, nós podemos!

América, nós chegamos tão longe. Nós vimos tanto. Mas há tantas coisas mais para serem feitas. Então, nesta noite, devemos nos perguntar: se nossas crianças viverem até o próximo século, se minhas filhas tiverem sorte suficiente para viver tanto quanto Ann Nixon Cooper, quais mudanças elas irão ver? Quanto progresso teremos feito?

É nossa chance de responder a esse chamado. É o nosso momento.

Este é nosso momento de devolver as pessoas ao trabalho e abrir portas de oportunidade para nossas crianças; de restaurar a prosperidade e promover a paz; de retomar o sonho americano e reafirmar a verdade fundamental de que, entre tantos, nós somos um; que, enquanto respirarmos, nós temos esperança. E onde estamos vai de encontro ao cinismo, às dúvidas e àqueles que dizem que não podemos. Nós responderemos com o brado atemporal que resume o espírito de um povo: sim, nós podemos!

domingo, 5 de outubro de 2008

Tenho um espelho. Sempre o conservo comigo. Na verdade, não passa de um pedaço de vidro quebrado, aproximadamente do tamanho da palma da minha mão. As suas costas são cobertas por pequenos arranhões, mas isso não impede que reflita tudo o que se coloque à sua frente. Um fragmento de espelho quebrado na parte mais grossa, que provavelmente poderia ser encontrado em qualquer depósito de entulhos. Para mim é tudo, menos entulho.

Meus pais se casaram no 4° ano do período Taisho (1915), e minha mãe, como parte de seu enxoval, trouxe uma pentedeira com um espelho muito bonito. Quantas vezes não deve ter refletido o rosto da recém-casada, devolvendo uma imagem clara e nítida. Aproximadamente 20 anos mais tarde, entretanto, o espelho, de alguma forma, foi quebrado. Meu irmão mais velho, Kiichi, estava em casa naquele dia. Ele e eu separamos os estilhaços e apanhamos dois dos pedaços maiores para guardar como lembrança.

Pouco tempo depois, a guerra estourou. Meus quatro irmãos mais velhos partiram para as linhas de combate, alguns para lutar na China, outros na Ásia Sudeste. Minha mãe – seus quatro primeiros filhos levados para longe – tentava não mostrar preocupação. Entretanto, parecia envelhecer repentinamente. Então, os ataques aéreos a Tóquio começaram e, logo, tornaram-se uma ocorrência diária. Eu mal conseguia suportar olhar para o rosto de minha mãe. Como se isso pudesse de algum modo proteger a sua vida, eu conservava o pedaço de espelho sempre comigo, envolvendo-o cuidadosamente dentro de minha camisa, enquanto me desviava das bombas incendiárias que caíam à nossa volta.

Quando a guerra terminou, recebemos a notificação de que meu irmão primogênito havia sido morto no combate em Burma. Imediatamente pensei no pedaço de espelho que eu sabia que ele devia carregar no bolso de seu uniforme. Eu podia imaginá-lo, durante uma calmaria na luta, tirando-o e olhando o seu rosto com a barba por fazer, pensando saudosamente em sua mãe e no seu lar. Sei como ele deve ter se sentido, pois também tenho um pedaço de espelho e, quando olho para ele, me vêm as lembranças de meu irmão.

Nos tempos obscuros e problemáticos após a derrota do Japão, deixei a minha casa e fui morar em alojamentos. O quarto era pequeno, desguarnecido e feio, mas eu era pobre demais para comprar alguma coisa.Obviamente, não havia espelho. Felizmente eu tinha o meu pedaço de espelho comigo. Eu o mantinha na gaveta da minha escrivaninha. Todas as manhãs, antes de ir trabalhar, eu o tirava e examinava o meu rosto magro, me barbeava, penteava o cabelo e o emplastrava com brilhantina para que se assentasse. Uma vez por dia, quando eu tomava o espelho em minhas mãos, eu não podia deixar de pensar em minha mãe, mesmo que eu não quisesse. Quase que inconscientemente eu me encontrava pensando: bom dia, mãe!

Pensar na mãe uma vez por dia – acho que é a melhor forma de um jovem evitar cometer erros. A sociedade japonesa, na época, estava num estado de colapso moral e psicológico. Felizmente, consegui esquivar-me de cair num tipo de desespero e desesperança que poderia ter me levado a fazer algo auto-destrutivo. Devo isso ao danificado pedaço de espelho.

Havia ocasiões em que o espelho me dizia que a cor do meu rosto não estava boa, e que eu não estava aparentando bem. Com isto como uma advertência, eu usava um selo extra de racionamento e comia duas porções quando ia ao refeitório me alimentar. Houve também ocasiões em que fixei o meu reflexo no espelho, notando o modo sinistro como o osso molar de meu rosto se salientava, e tremia de desgosto, imaginando o que eu teria feito para merecer um rosto tão feio. Outras vezes, quando estava de bom humor, eu olhava para a minha imagem e esboçava um sorriso. Num certo sentido, o cuidado e a preocupação me acompanharam sempre naqueles dias, embora não chegassem a mim em palavras. O pedaço de espelho me mostrava como eu estava me alimentando diariamente e me mantinha no caminho correto.

Quando o meu mestre, Jossei Toda, estava com 19 anos, ele decidiu deixar o pequeno vilarejo em Hokkaido, onde tinha nascido, e foi para Tóquio. Nessa ocasião, sua mãe deu-lhe uma jaqueta bordada. Enquanto ele tivesse a jaqueta, enquanto ele a vestisse, ela lhe disse, ele conseguiria ultrapassar todas as dificuldades que pudesse encontrar. Era branca, com um contorno azul escuro, um bordado complicado, feito com grande cuidado e todo o amor e devoção de sua mãe. Ele a conservou por toda a sua vida.

Ele foi encarcerado durante os últimos anos da guerra. Porém, em 1945, quando a guerra terminou, ele foi finalmente libertado e pôde retornar à sua casa. Dizem que, quando ele descobriu que sua casa havia escapado de ser incendiada pelos ataques aéreos e que a jaqueta bordada ainda estava salva, ele disse à sua esposa que eles não precisavam se preocupar. Como a jaqueta estava intacta, ele sabia que tudo ficaria bem a partir de então.

Uma velha jaqueta, um espelho quebrado. Entretanto, ambas as coisas eram capazes de transmitir as orações de uma mãe. Esses objetos possuem o estranho poder de conseguir apoiar e alentar o coração humano quando este hesita. Pode ser que muitos riam e digam: que sentimentalismo ultrapassado. Porém, para mim, não há nada de ultrapassado com relação ao sentimento. A jaqueta e o espelho são as únicas coisas que se tornaram fora da moda.

Em 1952, quando me casei, minha esposa trouxe com ela um toucador novíssimo. A partir de então, comecei a usar o espelho novo. Um dia, deparei com a minha esposa com o velho pedaço de espelho em suas mãos, examinando-o com um olhar perplexo. Talvez ela tentasse imaginar por que alguém guardaria um pedaço de sucata tão imprestável, que não serviria nem mesmo para divertir uma criança. Quando o espelho estava quase indo para o lixo, contei a ela a história que o envolvia, e da ligação formada com minha mãe e o irmão morto na guerra. Ela apanhou uma caixa de madeira onde instalou o pedaço de espelho, onde se encontra a salvo até hoje.

Mesmo uma velha caneta, se tiver pertencido a algum grande escritor, é observada com admiração e respeito pelas pessoas das épocas posteriores, pois elas sentem que, de algum modo, é capaz de revelar os segredos das obras primas de um homem grandioso.

O pedaço de espelho quebrado. Sempre que olho para ele, ele me fala daqueles dias da minha juventude, difíceis de serem descritos, da minha juventude, das preces da minha mãe, e do triste destino de meu irmão mais velho, e continuará a fazê-lo enquanto eu viver.

(daisaku ikeda - um espelho - a arte de viver o cotidiano)

sábado, 20 de setembro de 2008

Madrugada do dia 7 de setembro.
00:27 horas, quase meia noite.
Em casa, estudando.
Atendo o celular. A ligação não se completa. Ligo de volta.
Era minha irmã: Você está sabendo o que aconteceu com o Shimim?
Respondo que não. Ela continua: Ele teve uma parada cardíaca na estrada, no retorno de São José do Rio Preto. Estamos em Taquaritinga, no pronto socorro.
Pergunto como ele está. Ela não sabe.
Ouço ela dizer a alguém: Vocês me digam a verdade, como ele está?
Peço a ela para manter a calma e digo: Estou indo aí.

Entro para um banho rápido.
Dentro do banheiro ouço o telefone tocar novamente. Era alguém com a notícia.
Logo depois ligo para minha irmã. Ela diz, com voz trêmula: Tadashi, ele morreu. E agora?

E agora?!?
Não sei.Como vou saber? Não sei nem o que dizer.
Só pude manter a calma e repetir: Estou indo aí.

Disseram que naquele dia ele estava bem espevitado, mexendo com todo mundo – coisa que não era de seu feitio, ele gostava de participar, mas ficava sempre “na dele”. Talvez fosse a forma que sua vida havia encontrado para se despedir das pessoas: brincando e sorrindo.

Logo de manhã retornei à cidade de Taquaritinga, para acertar toda a documentação necessária. Antes, passei no velório, pois não sabia quanto tempo demoraria e a que horas estaria de retorno. Triste e ainda absorvendo o acontecimento inesperado, fui surpreendido com uma visão tranquilizante: ele tinha um sorriso no rosto.

Na Cerimônia de 7° dia de Falecimento, em nome dos meus irmãos e de toda a família, agradeci as manifestações de pesar, apoio e incentivos, e prestei uma homenagem com as palavras que seguem.

A morte.

A morte, na verdade, é uma grande certeza na vida. Havendo vida, haverá morte. Cedo ou tarde, ela sempre vem.

Se ela vem?, portanto, é uma pergunta descabida, da qual já sabemos a resposta. Quando ela vem?, talvez seja também uma pergunta impertinente, porque a ninguém é dado saber quando, afinal, ela virá.

E eis que, de repente, ela pode se postar diante de nós, nos deixar surpresos, em estado de choque, sem palavras, sem ar, sem chão.

Anunciada, de surpresa, bruscamente, tranquila, violenta... de alguma forma, certamente, ela virá.

A questão principal não é, portanto, se ou quando ela virá. A questão principal talvez seja como ela virá? E, quando chegar, como será recebida?.

Sêneca – filósofo romano - já dizia: Deve-se aprender a viver por toda a vida e, tu talvez te espantes, a vida toda é um aprender a morrer. Heidegger – outro filósofo - escreveu que a vida humana é uma existência na direção da morte. Nitiren Daishonin ensinou: Aprenda primeiro a respeito da morte e, depois, sobre as outras coisas.

Os dois momentos cruciais da vida talvez sejam exatamente seus 2 pontos extremos: o momento em que ela tem início -o nascimento - e o momento em que ela se encerra – a morte. Na verdade, nascimento e morte são manifestações de um mesmo fenômeno, o fenômeno da vida, que é eterno.

E entre esses 2 pontos, está a manifestação da vida da pessoa. E a forma como essa vida se passou se manifesta exatamente no momento em que esse ciclo se finaliza, ou seja, o modo em que a pessoa encontrou a morte pode demonstrar o estado de vida em que ela viveu. Uma das provas evidentes dessa verdade é o aspecto do falecido. É a prova real.

Eu nunca tinha visto um falecido sorrindo. Acho que isso significa que ele morreu feliz.

Também, não podia ser por menos: ele morreu dormindo, ao lado da mulher da sua vida, no cumprimento da sua missão, na atividade em que ele mais se dedicava, e rodeado de amigos. Não, ele não morreu em casa, sozinho ou numa cama de hospital. O único ponto contra nisso tudo talvez seja o fato de que ele morreu corintiano. Mas aí já é mesmo uma questão cármica...

Eu o conheci ainda garoto. Ele era o namorado da minha irmã, com quem ficou casado por 31 anos. Eu era o garoto que pentelhava e atrapalhava o namoro. Ele nunca me repreendia, nem me chamava a atenção. Se bem que de vez em quando me mandava passear, perguntava se não estava na hora de eu ir dormir. Mas eu adorava estar perto dele. Era como se fosse um irmão mais velho. Ele era bom de bola. Até uma Brasília amarela ele teve.

Pode parecer estranho, mas ele, que gostava de resmungar e fazia tanto muxoxo, era também uma das pessoas mais generosas, atenciosas, cuidadosas e solícitas que conheci. O que, talvez, o tornava tão querido. Tanto que, ao seu redor - e isso é visível - ele espalhava amigos e amigos.

Há pouco tempo ele havia perdido seu pai. Antes, havia perdido sua mãe e seu outro pai – o meu pai – a quem ele sempre tratou com a consideração, atenção e amor como se filho realmente fosse. E era. Meu cunhado, meu amigo, meu irmão.

Vamos ter saudades dos jogos de baralho na mesa da cozinha; dos churrascos na sua casa; do último ano novo na praia... daquele jeito “meio pra dentro” de falar... Acho que cada um vai ter sua saudade particular dele. A prova disso é o enorme número de amigos que, tristes, foram se despedir.

Estamos tristes, mas não queremos chorar sua morte. Ao contrário, queremos celebrar sua vida. E nos despedimos assim, como você: com um sorriso nos lábios.

Vá em paz. Fique tranquilo. Obrigado por tudo.

Entre muitas considerações, um telegrama de condolências do presidente Ikeda e outro do Diretor Geral da SGI, sr Ohba. Postumamente, a nomeação como Responsável Honorário de Distrito. A distinção com o plantio de uma árvore no Centro Cultural Campestre. E, o mais importante, as inestimáveis manifestações de carinho, apoio e incentivos de incontáveis amigos.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

O conceito de flow foi desenvolvido na década de 60, pelo psicólogo Mihaly Csikszentmihalyi que, a partir do estudo do processo criativo, interessou-se pelo fenômeno da motivação intrínseca.

Motivação intrínseca é um tipo de atividade recompensadora por si mesma, independentemente de seu produto final ou de qualquer bem extrínseco que dela possa resultar. Nesse sentido, a leitura de um livro pode ser considerada uma atividade assim, quando o indivíduo o faz pela leitura em si, e não porque precisa estudar para uma prova.

Muitas pessoas certamente já experimentaram o estado de flow, ao se envolverem, por exemplo, em uma atividade, sem perceber o tempo passar. A perda da noção do tempo é, aliás, uma das características do flow.

A Psicologia Positiva – uma linha moderna da Psicologia - postula que, do ponto de vista do indivíduo, a felicidade seria o resultado do cultivo de emoções positivas em relação ao passado, presente e futuro.

Em relação ao momento presente, há 2 maneiras de se experimentar a felicidade: pelo prazer e pela gratificação.

Os prazeres são definidos como satisfações com claros componentes sensoriais e fortemente emocionais, que se caracterizam por serem passageiras e exigirem pouco, ou mesmo, nenhum raciocínio: o êxtase, o entusiasmo, o orgasmo, o deleite, o gozo, o conforto etc. Embora seja um componente da felicidade, o prazer, por si só, é incapaz de alcançá-lo - ao contrário do que a cultura ocidental e os apelos da sociedade de consumo podem fazer crer – notadamente pelo seu caráter efêmero e incapacidade de trazer complexidade ao self (não cabe aqui maiores discussões acerca do que seja self, mas digamos que se trate do “si mesmo”).

A gratificação, por sua vez, não é acompanhada, necessariamente, por qualquer sensação natural, e origina-se das atividades que gostamos muito de praticar e que nos envolvem, de tal forma que podemos até perder a noção da realidade. Durante tais atividades, sentimos que nossas habilidades atendem ao desafio que estamos fazemos, e entramos em contato com nossas forças pessoais. Ao nos engajar nessas atividades, entramos no estado de flow.

O estado de flow reúne as seguintes características: concentração intensa e focada, fusão entre ação e consciência, perda da autoconsciência reflexiva, sensação de controle sobre as próprias ações, distorção da experiência temporal e experiência de que a atividade é intrinsecamente recompensadora.

A característica mais importante de flow é a que guarda relação com a complexidade do self, na medida em que, ao tornar-se progressivamente mais complexo, o self cresce. Segundo Csikszentmihalyi, tal complexidade é resultado de 2 processos psicológicos: a diferenciação e a integração.

A diferenciação corresponde a um movimento em direção à individualidade, ou seja, da capacidade de diferenciar o “si mesmo” de outras pessoas. A integração, por sua vez, trata-se do oposto, correspondendo à união do self com outras pessoas, idéias e seres exteriores a ele.

A experiência de flow não apenas fornece um conjunto de desafios e oportunidades para a ação, mas também oferece um sistema de desafios graduais que leva o indivíduo a envolver-se com a atividade, contínua e profundamente, promovendo a gratificação e o aumento de suas possibilidades.

Qualquer atividade pode, potencialmente, levar uma pessoa ao flow. Quando uma pessoa engaja-se numa atividade que exige o emprego de suas forças pessoais, ela muito provavelmente experimentará, durante o exercício dessa atividade, os chamados momentos de flow que, ao proporcionarem gratificação, exercem um papel fundamental nos níveis de felicidade vivenciados por ela.

Pesquisas apontam que garotos que experimentaram altos índices de flow chegam à universidade, desenvolvem laços sociais mais profundos e são mais bem sucedidos do que seus pares com um índice menor desse tipo de experiência.

Outro dado importante, é que a experiência de flow pode depender da autoconsciência. Pessoas que conhecem suas forças pessoais podem buscar atividades em que elas são necessárias e, com isso, exercer um papel ativo no aumento de seus níveis de felicidade. Mais uma vez, o autoconhecimento torna-se fundamental.

síntese de matéria escrita por Lilian Graziano (psicóloga, doutora em psicologia pela USP), publicada na revista Psique Ciência e Vida (ano III – n° 8 – edição especial)

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

O que acontece só pode acontecer em havendo energia. Assim, por energia manifesta chamamos vida. À transformação da energia manifesta em energia latente, chamamos morte.

Energia vital é a que move a própria vida. Por isso mesmo é chamada de vital. É a força que existe por trás de toda manifestação fenomenológica. Em outras palavras, é a força por trás de tudo o que acontece – fenômeno - no mundo das coisas, no mundo perceptível, no mundo dos fenômenos.

Energia vital é outro nome para Estado de Buda. Se há vida, há, necessariamente, energia vital. Por isto podemos dizer que todos temos o Estado de Buda. Este, no entanto, pode estar desperto ou adormecido.

A energia vital pode estar funcionando a todo vapor, na sua plenitude, ou pode estar apenas com o mínimo de suas forças ativadas, funcionando somente com o necessário para manter uma pessoa viva, e nada mais.

Ocorre que a energia – ou a forma como ela se manifesta – pode ser trabalhada para favorecer nossos objetivos. Os esforços invisíveis se tornam visíveis na sua manifestação.

Há 3 momentos cruciais na questão da energia: o acúmulo, a concentração e a explosão.

Para um atleta, por exemplo, o acúmulo de energia seriam os esforços diuturnos, o que envolve não só os exercícios físicos mas também sua alimentação e até sua rotina diária. Num determinado momento, essa energia acumulada ao longo dos dias, dos meses, dos anos, deve ser concentrada num todo para, no momento exato, explodir. É o momento da prova decisiva. Nem antes, nem depois. É o que se passa com qualquer campeão olímpico.

Se não há energia acumulada, nem se pode falar em concentração; o atleta sequer se classifica para disputar a prova. Por outro lado, mesmo havendo energia acumulada, se o atleta falha na concentração, seu esforço de anos cai por água abaixo. É, talvez, o que faz a diferença entre estar ou não realmente preparado para a prova. Energia acumulada, concentração perfeita, e teremos a grande explosão: quebram-se barreiras, derrubam-se recordes, surge o grande campeão. E a diferença pode estar nos milésimos de segundos, nos poucos centímetros, no pequeno deslize.

Parece que o processo se aplica em todas as escalas, desde o Big Bang – que, resumidamente, explica o surgimento do universo como a grande explosão de uma concentração absurdamente enorme de energia – até um estudante se preparando para o vestibular ou para um outro exame. Ou qualquer outro evento, como uma pequena reunião de bloco, um grande encontro, uma festa de aniversário, o nascimento de uma criança, um jogo de futebol, escrever um livro, um poema, defender uma tese acadêmica, enfrentar uma doença. E se aplica, também, tanto a nível individual, como coletivo (afinal, o esforço coletivo nada mais é do que a união dos esforços indivíduais).

Assim, sem acúmulo, não há concentração. Com energia acumulada, mas sem concentração adequada, a explosão pode se dar no momento ou no lugar errados, ou de forma inadequada.

Na recitação do daimoku, no esforço diário, na alimentação sadia, nos cuidados com a mente e com o corpo, nas relações sociais, estamos acumulando energia. Se, no momento em que a concentração se fizer necessária, haverá ou não energia suficiente para a explosão que se quer, é de cada um.

Há, ainda, um 4° momento importante, que é o da dispersão da energia. Acúmulo extraordinário, concentração excelente, explosão maravilhosa, e a dispersão pode ser eterna, infinita, ilimitada. Para usar o exemplo mais uma vez: o Big Bang - aliás, as pesquisas recentes dizem que o Big Bang ocorreu há quase 13,7 bilhões de anos e, desde então, o universo continua se expandindo veloz e indefinidamente, até não se sabe quando.

Tal é a força de determinadas explosões, que ficam marcadas para sempre, alcançando e influenciando vidas e gerações. A história do universo, do planeta e a da humanidade está recheada de exemplos.

Na história da Soka Gakkai, os dias 16 de março, 2 de abril, 3 de maio - e outras datas - são como pequenos Big Bangs.

Eu também tenho os meus pequenos Big Bangs.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

A jornada de Kamakura a Kyoto leva 12 dias.
Se viajar durante 11 dias e parar antes de completar o 12° dia,
como poderá admirar a lua da linda capital?
(carta a niike – nitiren daishonin)

Anos atrás li, num artigo do psicanalista Contardo Caligaris, sobre o princípio do tipping point.

Tipping point é um termo da sociologia. Diz respeito ao ponto em que um sistema estável se desequilibra. É a gota d’água, o ponto de ruptura, o ponto de desequilíbrio. É o momento em que o líquido transborda.

Não é preciso que algo espetacular aconteça. O ponto crítico pode se dar a partir de uma ocorrência banal, mas na esteira de uma série de outras ocorrências. Aí, finalmente, quando o cenário estiver pronto, um evento qualquer pode romper o equilíbrio do sistema.

O sociólogo Malcolm Gladwell expôs o princípio no livro O Ponto de Desequilíbrio: como pequenas coisas podem fazer uma grande diferença. Num artigo publicado no The New Yorker, em 1996, Gladwell deu como exemplo a garrafinha de ketchup: o parâmetro de inclinação da garrafa pode aumentar sensivelmente, sem que uma gota caía no prato. De repente, um aumento milimétrico da inclinação pode produzir um dilúvio inesperado de ketchup, completamente fora de proporção com o último gesto. O ponto onde isso acontece é o tipping point.

Um clássico artigo publicado em 1991 no American Journal of Sociology, por Jonathan Crane, mostra que, quando em uma zona urbana pobre o número de residentes profissionais ou trabalhadores qualificados de classe média cai abaixo de 5%, repentinamente dobram os números de adolescentes que abandonam a escola e o de adolescentes grávidas. Cinco por cento é o tipping point: entre 45% e 5% de moradores de certo sucesso, as percentagens de abandono escolar e gravidez variam de maneira pouco significativa. Abaixo de 5%, os adolescentes não acreditam mais nas regras do jogo: faltam-lhes imagens ideais.

Caligaris perguntava, em seu artigo, se a violência urbana no Brasil tinha chegado a um tipping point.

Se, de fato, há algo como um tipping point, poderia ser aplicado para o bem ou para o mal. Seria, talvez, como o centésimo macaco a lavar as batatas antes de comê-las. Talvez, ainda, uma linha invisível unindo as pessoas, perspassando as coisas. Sincronias.

Qual será o tipping point para se transformar uma sociedade ignorante, violenta e descuidada numa sociedade educada, pacífica e tranquila?

Por outro lado, se há um tipping point social, deve haver também um tipping point individual. Na orientação do presidente Ikeda, quando um certo limite crítico é atingido, tudo pode mudar de um só golpe. Pode ser que este princípio seja inerente a toda vida.

Haveria um tipping point intelectual? Um espiritual? Um financeiro?

A iluminação seria um tipping point?

Qual será o meu tipping point, o ponto a partir do qual posso mudar tudo, de um só golpe? Como não sei, é preciso então o esforço diário, na direção do ponto crítico, que pode estar ali na frente, ou um pouco mais adiante. É por isso que, às vezes, um a mais pode fazer a diferença: um encontro a mais, um minuto a mais, um esforço a mais, um sorriso a mais, uma palavra a mais, um incentivo a mais.

Ou o contrário: um minuto a menos, um esforço a menos, um sorriso a menos.

E tudo pode desabar.

Ou se erguer, definitivamente.

terça-feira, 29 de julho de 2008

Na verdade, acho que a nossa grande religião é a solidariedade. Sempre disse aos meus alunos, quando eles vinham com aquela história de ser competitivo. Dizia para eles: Não queiram ser competitivos, queiram ser solidários. Não queiram se preparar para o mercado. Queiram se preparar para a sociedade. Porque assim vocês terão companhia até o final da vida. Falava também muito para eles o seguinte: O que deve ser forte não é o seu grito, é o seu vocabulário. Não é o seu grito que deve ser forte, mas o seu vocabulário.

Mas não se pode ser ético e solidário sem, antes de tudo, ser competente. Sempre pensei no seguinte: na competência como capacidade de dar sua colaboração à vida.

Como dizem os espíritas, é a competência que me faz cumprir a missão. É a competência, e não só a bondade da alma, que importa. Padre Cícero foi competente. Cristo foi competente. É essa competência que sacraliza as pessoas, que as torna sagradas. Assim pensamos em Michelangelo, Leonardo da Vinci, Darwin, Enrico Fermi, Einstein e outros.

(pedro jorge de castro - cineasta)

terça-feira, 22 de julho de 2008

Gostaria de compartilhar um estudo científico sobre como as mudanças na consciência podem ocorrer. De acordo com esse estudo, quando uma certa quantidade crítica de indivíduos em uma população desenvolve uma nova consciência, dramáticas mudanças ocorrem na consciência de todo o grupo.

Algo muito curioso aconteceu na ilha japonesa de Koshima, conhecida como “Ilha dos Macacos”, situada em Kyushu, no extremo sul do Japão. Em 1952, alguns cientistas começaram a dar batata doce aos macacos da ilha para assegurarem que estes retornassem para serem observados. A maioria dos macacos simplesmente comia as batatas, mesmo que estivessem cobertas de areia e pedregulhos.

No entanto, uma jovem fêmea de 18 meses, chamada Imo (Batata) era diferente. Um dia, Imo começou a lavar as batatas em um ribeirão próximo – talvez porque ela não gostasse da textura empedrada que a areia dava às batatas. Este foi um marco inovador, totalmente sem precedentes na história dos macacos da ilha. Imo aprendeu que, ao lavar as batatas, ela poderia comê-las sem ficar com areia na boca.

Então, ela ensinou a sua mãe o que havia descoberto. Também ensinou ao seu círculo de companheiros que, por sua vez, ensinou as suas mães. Houve assim um aumento gradual no número de macacos “pioneiros” na ilha, que lavavam as batatas antes de comê-las. Posteriormente, os macacos começaram a lavar as batatas no mar. Surpreendentemente, eles aprenderam que as batatas ficavam ainda mais saborosas após serem imersas na água salgada.

Os cientistas anotaram cuidadosamente tudo o que aconteceu. Em 1958, todos os macacos do bando estavam lavando suas batatas. No entanto, muitos dos machos adultos não o faziam. Esses macacos, talves por sua natureza conservadora ou por sua inflexibilidade de caráter, continuavam a comer as batatas com areia assim como faziam antes. Parecia que todos os machos adultos tendiam a ser cabeças-duras.

No entanto, lentamente o muro da resistência começou a desmoronar. Um a um, o número de macacos que lavava suas batatas aumentou. O número chegou a vinte, trinta, quarenta macacos. Então, num certo ponto, algo absolutamente inesperado ocorreu.

Um dia - vamos dizer, quando noventa e nove macacos já lavavam suas batatas – o “centésimo macaco” apareceu. Quando a adaptação para lavar as batatas foi aprendida pelo centésimo macaco, isso não levou simplesmente à próxima adaptação – a do centésimo primeiro macaco. Nesse ponto crítico, todos os macacos remanescentes começaram a lavar suas batatas antes de comê-las. Em outras palavras, toda a população da ilha compreendeu repentinamente a “revolução cultural” que uma jovem fêmea havia iniciado.

Ainda mais surpreendente foi o fato de que os cientistas descobriram que macacos de outras ilhas –os quais não tiveram qualquer exposição direta ao novo método de lavar as batatas – começaram por alguma razão inexplicável, a lavar suas batatas também. A revolução se propagou até os macacos do Monte Takasaki, em outra região de Kyushu.

O escritor norte-americano Ken Keys Jr. vê aqui a esperança de que esse fenômeno possa levar à abolição das armas nucleares. Seu objetivo é ajudar cada pessoa a tornar-se ciente da urgente necessidade de alcançar rapidamente um mundo livre de armas nucleares. Aumentando o número de indivíduos que compartilham essa consciência, mesmo apesar de parecer uma tarefa árdua e diligente, Keys acredita que o número de pessoas que compartilha essa visão alcançará um certo limiar crítico. Então, a idéia se tornará uma revolução cultural que dará certo, e o objetivo da abolição das armas nucleares se tornará, de um só golpe, fixa na consciência da humanidade.

O poder de uma pessoa é enorme. Uma única pessoa que se levanta pode mudar tudo. Em um de seus escritos, Nitiren Daishonin cita o provérbio: “uma única pessoa é mãe de dez mil.” Uma pessoa séria e dedicada pode criar ondas de mudança, e suas consequências excederão em muito as expectativas convencionais.

Quando um certo limite crítico é atingido, tudo pode mudar de um só golpe. Pode ser que este princípio seja inerente a toda vida.

(daisaku ikeda - bs 1323 - 10/06/95)

terça-feira, 15 de julho de 2008

Coincidências acontecem em toda parte e com toda a gente. Mas, quando elas acontecem fica no ar a polêmica entre os que preferem o argumento racional, baseado em cálculos probabilísticos, e os que adotam a justificativa religiosa de que nada ocorre por acaso. A novidade é que um filão recente da pesquisa científica pode estar prestes a romper essa dicotomia. Nessa nova perspectiva, as coincidências fazem parte de um fenômeno amplo e universal, cujas entranhas guardam os segredos da própria funcionalidade do cosmo: o fenômeno da sincronia.

Na contramão de algumas teorias e até das leis da termodinâmica – que sugerem a implacável degeneração da natureza num estado de grande desordem - o estudo da sincronia sugere um universo mais harmônico e cooperativo do que jamais imaginamos. Um lugar onde todas as partes bailam em parceria, sob o comando de uma ordem coletiva e espontânea.

“O universo inteiro parece carregar as sementes de sua ordenação”, diz Steven Strogatz, matemático da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, pioneiro do que vem sendo rotulado de ciência da sincronicidade. Strogatz publicou o livro Sync – the emerging science of spontaneous order (“Sincronia – a emergente ciência da ordem espontânea”), no qual resume o histórico e o propósito do novo campo de estudo, comenta teorias e modelos já concebidos e prevê a aplicação da sincronia em áreas tão diversas quanto os congestionamentos de trânsito, as oscilações do mercado financeiro e a prevenção de doenças genéticas.

O panorama apresentado no livro de Strogatz impressiona, mas é provável e realista, segundo o doutor em física Murilo Baptista, da área de sistemas dinâmicos do Instituto de Física da Universidade de São Paulo. “Já que não existem sistemas isolados na natureza e a sincronicidade pode ocorrer também nas interações muito fracas, é de se esperar que o fenômeno da sincronia seja mesmo frequente”, diz Murilo.

A idéia central é que a sincronização entre sistemas em interação descreve o surgimento de uma ordem coletiva, a tal ponto que a observação de apenas um sistema leva ao conhecimento do estado de todo o conjunto. Compreender os sincronismos pode ser o meio de explicar uma infinidade de comportamentos naturais.

A investigação dos sistemas sincrônicos é recente e multidisciplinar, mas o fenômeno da sincronia é conhecido desde o século 17. Em 1665, o físico holandês Christiaan Huygens estava na cama, doente, quando percebeu que, independentemente do estado inicial de cada um, os pêndulos de dois relógios que ele construíra logo adotavam o mesmo ritmo, um movendo-se para esquerda e o outro para a direita. Surpreso, Huygens atribuiu o fenômeno a uma pulsação transmitida através da trave de madeira que sustentava os relógios, mas ninguém lhe deu crédito. Seu raciocínio só seria resgatado na década de 1960 pelo biólogo americano Arthur Winfree, na época experimentando com osciladores emparelhados – máquinas de comportamento repetitivo, como os pêndulos, utilizadas na simulação de sistemas sincronizados.

Além da experiência com as máquinas, mais precisas que os relógios de Huygens, Winfree estudou o sincronismo entre seres vivos a partir do espetáculo dos vagalumes no Sudeste Asiático, que aos milhares costumam piscar em uníssono nos matagais ribeirinhos. O fenômeno começa com cada inseto emitindo flashes em seu próprio ritmo. Uma hora depois já há bolsões de sincronia que se ampliam, formando uma nuvem de vagalumes piscando como se fossem um único e gigantesco inseto. Como isso acontece? Winfree descobriu que o piscar do vagalume é um sinal que estimula o vizinho a reprogramar a sua própria frequência de flashes, ajustando-a ao ritmo do companheiro. Estabelecida a sincronia em uma dupla, o efeito se espalha pelo resto do grupo. Seja em um bando de vagalumes ou em outros tipos de sistemas, a sincronização só ocorre quandos os sinais trocados pelos indivíduos superam a frequência inicial de um ou de outro, provocando a “reprogramação” dos ciclos do indivíduo influenciado. “Abaixo desse marco, predomina a anarquia. Acima dele, estabelece-se um ritmo coletivo”, escreveu Winfree.

“A sincronia se manifesta do subatômico ao macrocosmo, em escalas de frequências que variam de bilhões de oscilações por segundo a apenas um ciclo em 1 milhão de anos”, diz Strogatz. O movimento da Luz em torno da Terra é síncrono, mas a sincronicidade Terra-Lua, de comportamento periódico e estável, não é a mesma dos sistemas caóticos. Nestes, a sincronia preserva o comportamento caótico de cada elemento que, por sua vez, apresenta uma complexidade singular. No trânsito, por exemplo, cada automóvel tem sua complexidade, mas também interage com os demais veículos, influenciado por fatores como as regras do tráfego e o tempo dos semáforos. Se conseguirmos equacionar esses fatores, será possível colocar os veículos em sincronia, fazendo com que um tráfego congestionado venha a se comportar como tráfego intenso, porém fluindo satisfatoriamente.

Desafio ainda maior é estabelecer uma teoria da sincronicidade em eventos humanos. Muitos pesquisadores falham nesse intento, segundo Strogatz, porque seus modelos subestimam a volição característica do homem e pretendem que ele atue como um robô. A evidência da sincronia humana, no entanto, salta de estudos recentes e da observação comum do cotidiano. Quem já viajou com um grupo grande de mulheres provavelmente ficou sabendo que um bom número delas mestruou de repente, praticamente na mesma hora. A harmonização do ritmo, nesse caso, seria resultado de uma “comunicação química” entre as mulheres por meio de feromônios, o mesmo tipo de hormônio, percebido pelo olfato, que funciona na atração sexual. A sincronia também estaria por trás de ocorrências como a moda e as manifestações coletivas – dos aplausos aos confrontos de rua – e, sobretudo, do funcionamento do cérebro e dos genes.

“Apesar de os cientistas ainda se esforçarem para entender a base neural dos pensamentos e sentimentos, estudos feitos por neurobiologistas atestam que os atos cognitivos estão ligados a ondas de sincronia entre neurônios”, diz Strogatz. Um insight seria como uma rajada elétrica sincrônica, um instante em que partes separadas do cérebro entram em harmonia. O esclarecimento desse tipo de sincronia pode levar, talvez, à solução do enigma da consciência e à prevenção de distúrbios como a epilepsia. E também ao entendimento das coincidências do dia-a-dia.

Como no caso dos flashes dos vagalumes e dos feromônios, as coincidências ocorreriam com base numa comunicação física entre as partes, ainda que não perceptível em escala macro. Uma sincronia entre elementos nos níveis atômico e subatômico, cujos efeitos se refletiriam na atividade cerebral.

Como essa suposta comunicação ocorre é uma incógnita, embora experimentos e equações da mecânica quântica indiquem a ocorrência de um tipo de comunicação não-local (fora do espaço-tempo). É o caso da experiência realizado nos anos 60 pelo físico britânico J. S. Bell com um par de fótons (partículas elementares da luz) correlacionados e enviados em direções distintas. Mesmo à distância, um evento que afetava um dos fótons também atingia o outro. Muitos estudiosos do sincronismo consideram esse fato uma explicação possível para os acasos. Portanto, da próxima vez que uma coincidência acontecer, não se espante. Você provavelmente trabalhou para que ela ocorresse.


revista superinteressante - julho 2003

terça-feira, 8 de julho de 2008

Ambição é tudo o que você pretende fazer na vida. São seus objetivos, seus sonhos, suas resoluções.

As pessoas costumam ter como ambição ganhar muito dinheiro, casar com uma moça ou moço bonito ou viajar mundo afora. A mais pobre das ambições é querer ganhar muito dinheiro, porque dinheiro por si só não é objetivo: é um meio para alcançar sua verdadeira ambição, como viajar pelo mundo. No fim da viagem você estará de volta à estaca zero quanto ao dinheiro, mas terá cumprido sua ambição.

Não há nada errado em ser ambicioso na vida, muito menos em ter “grandes ambições”. As pessoas mais ambiciosas que conheço são os líderes de entidades beneficentes do Brasil, que querem “acabar com a pobreza do mundo” ou “eliminar a corrupção do Brasil”. Esses, sim, são projetos ambiciosos.

Já ética são os limites que você se impõe na busca de sua ambição. É tudo o que você não quer fazer na luta para conseguir realizar seus objetivos. Como não roubar, mentir ou pisar nos outros para atingir sua ambição. A maioria dos pais se preocupa bastante quando os filhos não mostram ambição, mas nem todos se preocupam quando os filhos quebram a ética. Se o filho colou na prova, não importa, desde que tenha passado de ano, o objetivo maior.

Algumas escolas estão ensinando a nossos filhos que ética é ajudar os outros. Isso, porém, não é ética, é ambição. Ajudar os outros deveria ser um objetivo de vida, a ambição de todos, ou pelo menos da maioria. Aprendemos a não falar em sala de aula, a não perturbar a classe, mas pouco sobre ética.

O problema do mundo é que normalmente decidimos nossa ambição antes de nossa ética, quando o certo seria o contrário. Por quê? Dependendo da ambição, torna-se difícil impor uma ética que frustrará nossos objetivos. Quando percebemos que não conseguiremos alcançar nossos objetivos, a tendência é reduzir o rigor ético, e não reduzir a ambição.

Definir cedo o comportamento ético pode ser a tarefa mais importante da vida. Defina sua ética quanto antes possível. A ambição não pode antecedê-la, é ela que tem de preceder à sua ambição.


(stephen kanitz - revista veja - 24/01/01)

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Maio de 1988. 20 anos atrás. Cidade de Monte Alto.

Era a primeira apresentação pública, o primeiro desfile em ruas das bandas juvenis da BSGI Ribeirão Preto - o Taiyo Ongakutai e a Nova Era Kotekitai. Era a estréia.

Não sabíamos bem o que nos esperava. A experiência era inédita e a expectativa era grande. Medo de errar não havia, mas a responsabilidade não era pouca. Afinal, estávamos ali em nome de uma instituição, carregando uma história que, se não era de conhecimento público, era muito cara a todos nós, que vínhamos na esteira de sonhos e objetivos projetados ao longo dos anos e que, claro, mesmo os inatingíveis, um dia iam se realizar.

E lá estávamos. Na verdade, pouco mais do que garotos e garotas, verdes e imaturos na vivência, mas repletos de vontade de ir além.

Várias semanas de ensaio em locais, por assim dizer, insalubres, como o pátio do Ceasa (e tudo o mais que isso implicava na época: distância e carência de transportes, muita poeira, vento, calor, falta de água, sanitários precários...) e as ruas no entorno do Teatro Municipal (apenas pouca coisa melhor do que o pátio do Ceasa). Tudo assim, bem no peito e na raça. Voluntarismo, boa vontade e abnegação.

Fizemos como sabíamos fazer. Na verdade, não sabíamos como fazer. O que sabemos, agora, é que fomos mesmo é atrevidos. Não havia conhecimento técnico de apresentações de rua (aliás, não havia conhecimento técnico para nenhum tipo de apresentação, mesmo as internas). Mesmo assim, fizemos o que tinha que ser feito: topamos, claro. E essa era uma das primeiras lições que se aprendia nos grupos horizontais: não se foge de uma boa briga.

Naquele domingo, saímos de manhã, em ônibus fretados. Alguns tiveram que sair de casa, quase de madrugada. Passados 20 anos, os momentos meio que se embaralham na memória, mas ainda perduram na lembrança como se tudo tivesse acontecido na semana passada. A manhã agradável, o pessoal chegando na escola que serviu como base. O café da manhã. A troca de roupas. Os uniformes. A reunião de partida, antes de sair para o desfile. As palavras de incentivo. A saída para o local da concentração. A concentração, momentos antes do desfile. Os incentivos mútuos.

Como já dito, não havia medo. Mas havia, claro, um frisson. Acho que ninguém deixou de sentir, em algum momento, aquele frio na barriga, o arrepio, aquele tremor na espinha. Inclusive o pessoal do apoio. Os rostos, as expressões de decisão, de fazer o melhor de algo que ainda não tinha sido feito, de fazer história.

E, quando vimos, lá estávamos, como gente grande, desfilando, marchando, tocando, valentes, cheios de vida, de energia, fazendo soar pelos céus da cidade os sons da paz, da juventude, da escola Soka.

A parada diante do palanque oficial. Se fizemos certo, como manda o figurino, não sei. Mas fizemos o melhor, com certeza. E, pelos olhares e comentários das pessoas, impressionamos. Não pela técnica, que não era mesmo apurada. Mas pelo porte, pelo garbo, pela jovialidade, pelo brilho do olhar, pelo estandarte orgulhosamente ostentado.

Passado o palanque, os quarteirões finais. A sensação de alívio que, acho, não preencheu apenas a mim, naqueles metros finais de rua. Antes do fim, um grande suspiro. Estava feito e acabado.

O final do desfile. As comemorações, os cumprimentos, a alegria, os abraços. Coisas de amador, se vistos por profissionais. Mas não éramos mesmo profissionais. Éramos jovens voluntários, idealistas, vibrantes, felizes. Cada um com seus dramas pessoais, com seus desafios e conquistas, carregava, sem o mínimo de constrangimento, uma história que merecia ser contada.

E foi contada assim, cada qual com seu instrumento, com seu uniforme, com sua marcha, com sua bandeira.

Naquele dia de maio de 1988, uma promessa foi cumprida.

Dois anos depois, no dia 19 junho de 1990, era a vez de Ribeirão Preto.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

A invencibilidade reside na defesa, a possibilidade de vitória, no ataque.
(Sun Tzu)

Na turbulenta época dos estados guerreiros na China, há 2.500 anos, Sun Tzu, um filósofo-estrategista, escreveu o mais antigo tratado de guerra e estratégia: A Arte da Guerra.

Nele, Sun Tzu ensina que o segredo da invencibilidade é a defesa.

Na guerra como na vida, ser invencível é não perder, não ser derrotado. É não ser atingido por nenhuma bala. É não bater o carro, não adoecer, não se acidentar. Para um time de futebol, não perder é, primeiro, não tomar gol. É preciso saber se defender. Atenção, cautela, cuidados.

Mas, não perder, apenas, é mais ou menos como se fosse um empate. Pode não ser pouco, mas também não é tudo. Sun Tzu ensina, então, que a chave para a vitória é o ataque. Não basta, pois, se defender: é preciso atacar, é preciso agir. Numa corrida de Fórmula 1, não bater o carro não é suficiente, é preciso ser veloz. É preciso ser pró-ativo.

Pode-se ter uma ótima defesa, mas um péssimo ataque: não se perde, mas também não se ganha. A vida deve ser saudável, mas não precisa ser monótona.

Pode-se ter um excelente ataque, e uma defesa deficiente: o ataque é positivo, com muitos gols, mas os tentos sofridos acabam anulando o resultado final. Diverte-se muito, mas aproveita-se pouco.

O que Sun Tzu não disse é que uma ótima defesa e um excelente ataque também não bastam, em si. Há que haver uma sustentação, algo que possibilite a junção entre a defesa e o ataque. Uma sustentação, talvez, ideológica, que a tudo dê sentido e vá além de uma defesa vã ou um ataque fútil.

Ideal, defesa e ataque. Coragem, cautela e ação. Objetivo, planejamento e realização. Fé, prática e estudo. São nomes diferentes para o mesmo princípio.

Na geometria, um ponto é um ponto. Dois pontos formam uma reta. E três pontos definem um plano no espaço. Um tripé não manca – seja uma cadeira, uma mesa ou qualquer outro objeto. Há um equilíbrio natural, porque 3 pontos formam um único plano no espaço. É o que se chama “plano perfeito”. É o princípio básico. É o início fundamental.

A defesa é o estudo – o kyogaku. É o conhecimento, a inteligência, a sabedoria. Prevenção. Conhecimento. Planejamento. Natureza. Mente. Nyoze-sho.

O ataque é a prática – daimoku, chakubuku, atividades. É o fazer, a ação, a realização. É ostensivo. Corpo. O que aparece. O que se vê. Nyoze-so.

O estudo nos torna saudáveis, resistentes, invencíveis. A prática nos faz ativos, atuantes, vibrantes. A fé – crença, ideologia, vontade, coragem - dá sentido e direção, consolida e sustenta os pensamentos e as ações. Entidade. Nyoze-tai.

Equilíbrio natural, sem malabarismos.

Shin-gyo-gaku.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Os bosques são adoráveis, escuros e fundos,
mas tenho promessas a cumprir,
e milhas a trilhar antes de dormir,
e milhas a trilhar antes de dormir.
(Robert Frost)

Todos os dias fazemos coisas simples que, no fazer diário, se tornam automáticas, e nelas nem prestamos atenção. São coisas poucas, pequenas. Apesar disso, como são importantes. E não nos damos conta disso.

Uma das grandes alegrias que tive na vida foi quando consegui fazer algo assim, coisa pouca, simples e pequena. Mas, tive que me esforçar muito para conseguir. Foi por ocasião do meu acidente, ainda no hospital. Todo alquebrado, eu passava o dia inteiro deitado. Banho, inclusive, e outras necessidades tais, tudo na cama. Coisa de doente ou de acidentado.

Acho que fui um bom paciente. Tirando a preocupação natural que as pessoas têm nessas ocasiões, não devo ter dado maiores trabalhos a quem se dava ao encargo de cuidar de mim (aliás, quanta gente cuidou de mim, inclusive à distância).

Sempre que me mexia ou dava uma tossida, quem estava comigo também se mexia, para se certificar se estava tudo bem. Um dia resolvi me levantar da cama e ir ao toilete sozinho. A pessoa que estava comigo (que não me lembro quem era) deve ter pensado: ih, vai começar a dar trabalho.

Com algum custo e muita ajuda, consegui me colocar sentado naquela cama de metal do hospital e, depois, de pé, levando junto o suporte com o soro, me pus a caminho do destino. Lentamente, me apoiando em alguém, venci os poucos metros - que poderiam ser quilômetros - e, triunfante, cheguei lá. Consegui!

Parece pouco. Aos normais realmente é pouco. A mim, a partir daquele dia, esse simples ato passou a ser quase uma celebração diária de independência: levantar da cama, ir ao banheiro, fazer a higiene pessoal e começar o dia!

Tive uma fratura exposta no lado esquerdo da cabeça. Uma abertura de alguns centímetros, uns ossos triturados e nervos lesionados. Alguns dias depois do acidente, ainda no hospital, uma paralisia facial no lado esquerdo do rosto, que perdurou por algumas semanas e, até hoje, deixou sobras. Por um tempo, fiquei com a cara torta - eu só movia o lado direito do rosto, a outra metade paralisada. Além disso, minha capacidade de compreensão e de pronunciar as palavras foi afetada. Era muito estranho, porque eu sabia ler as palavras, mas não entendia mais o significado delas. Lia o mesmo trecho de letras várias vezes, sem entender bulhufas o que estava escrito. Para falar acontecia mais ou menos o mesmo: eu queria falar algo, mas não encontrava as palavras para me expressar, e ficava repetindo as mesmas coisas.

Então eu estava assim: com o rosto torto, mal conseguindo ficar de pé, repetindo as mesmas palavras. Não devem ser poucos os que, ao me ver, pensaram: dessa ele escapou mas, em compensação...

A única vez que andei de cadeira de rodas foi quando tive alta: do quarto até a saída do hospital. Com algum esforço fui colocado no carro. Meu irmão na direção. Fazia muito tempo que eu não via as ruas, o movimento, a cidade. Não me lembro qual dia era aquele, do clima ou do trajeto por onde passamos, mas a sensação de estar voltando para casa é ótima. E eu estava louco para voltar para casa.

Lá chegamos. Mais uma vez todo o trabalho para eu sair do carro, passar pela porta e vencer alguns degraus. Finalmente, na sala de casa. Sentei-me na cadeira diante do oratório. Todos esses dias sem ver o Gohonzon. Eu queria recitar o daimoku. Não sei quanto tempo fiquei ali, sentado, tentando pronunciar o daimoku. Alguns segundos? Alguns minutos? Não sei. O que me lembro daquele instante é que me emocionei muito. Ali, sentado, com as mãos postas em oração, o tempo não tinha nenhuma importância, e um pensamento claro me veio de súbito: venci, estou vivo!!! Chorei. E uma sensação nova de alegria me invadiu. Não a alegria de conseguir algo, de encontrar alguém, ou de qualquer outra coisa, mas a alegria solta de estar vivo, pura e simplesmente. Foi a única vez que tive a intensidade dessa sensação, brotando espontaneamente. A vibração daquela alegria ainda reverbera em mim e, não poucas vezes, me mantém ainda vivo e humano.

Naquele momento fiz um juramento. Não uma promessa ou uma decisão, mas um juramento de vida. Penso que uma promessa ou decisão se esgotam no momento em que você consegue aquilo que prometera ou decidira. Um juramento, ao contrário, não se esvai e nem tem condicionantes. Nunca ser derrotado, foi o que jurei. Jurei nunca ser derrotado. Para quem havia vencido a morte inesperada, me pareceu fácil.

Sim, está decidido: morrerei de viver. E, se tombar no campo de batalha, será de pé.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Neste dia perfeito em que tudo amadurece e não é somente a fruta que se amorena, um raio de sol caiu sobre a minha vida: olhei para trás, olhei para a frente, nunca tinha visto tantas e tão boas coisas de uma só vez. Não foi em vão que enterrei hoje o meu quadragésimo quarto ano: eu podia enterrá-lo – o que nele era vida está salvo, é imortal.

(nietzsche – ecce homo)



No final de outubro de 1994 sofri um acidente de carro. Era por volta das 16:00 horas de um domingo. Eu retornava da cidade de São Carlos, onde tinha participado de algumas atividades. Tinha ido até lá para me encontrar com as pessoas, em especial um amigo, a quem quis tranquilizar com minha presença.

A primeira coisa que eu fazia, todos os dias, ao acordar e levantar da cama, era ligar o rádio. Sem que tivesse me dado conta disso, naquela manhã a rotina não se repetiu. Feitos os preparativos matinais, antes de sair para a viagem, fiquei um tempo sentado no sofá da sala, sozinho, pensando não sei o que, o que também não era meu hábito. Os fatos corriqueiros não passaram despercebidos do pessoal lá de casa. Alguém comentou, depois, que minha mãe havia perguntado se eu estava com algum problema porque, aparentemente, desde alguns dias eu estava um pouco diferente em alguma coisa. Não sei se eu estava mais quieto, mais introspectivo... a mim não parecia haver alguma diferença. Mesmo assim, aqueles últimos dias tinham tido, sim, algo diferente, não sei em que. E, naquela manhã em particular, eu estava me sentindo muito bem e na plenitude da minha sanidade física e mental. Acho que eu estava pronto.

A viagem de ida e a atividade transcorreram bem. Após, antes de retornar, almoçamos juntos. Na saída, como eu não sabia direito o caminho, segui com meu carro com o pessoal à frente, me guiando até perto do trevo. Lá chegando, paramos os veículos e nos despedimos antes de eu seguir viagem. Me lembro do último aperto de mãos, e só. Depois, a única recordação é do momento em que abri os olhos, já no quarto do hospital, e vi meus irmãos. Nunca perguntei a eles, mas penso que a visão que tinham de mim deitado naquela cama de hospital não era das mais agradáveis. Mas a minha visão deles foi familiar e reconfortante. Não sei se eu estava mesmo consciente, mas de alguma forma eu sabia que algo havia acontecido. Eu só não tinha ainda a noção exata do ocorrido.

Os amigos de São Carlos, quando ficaram sabendo do acidente (que foi na rodovia, perto da saída da cidade), correram ao hospital. Quando lá chegaram eu já tinha sido socorrido e, segundo me contaram, foram informados pelo guarda de que já podiam rezar por mim (depois de uns dias internado em São Carlos, fui transferido para Ribeirão Preto, trazido de ambulância – na última noite lá, aquele guarda foi me ver no quarto, para se certificar de que, realmente, além de não ter morrido, eu ainda estava inteiro).

Fui socorrido pelo Resgate que, dizem, passava pelo local logo após o acidente. Fui atendido no hospital pelo chefe da equipe de neurocirurgia que, no momento em que cheguei no hospital, fim da tarde do domingo, lá se encontrava.

Meses depois, ao retornar à São Carlos para vender ao ferro-velho o que sobrara do carro, ouvi do sucateiro: cadê os pedacinhos do cara que estava no carro? Respondi: o cara que estava aí continua inteiro; aliás, está mais inteiro ainda.

Até hoje não sei o que e como aconteceu. Vagamente entendo porque. Não sofri nenhuma dor em razão do acidente. Mas isso é motivo para outras postagens.

terça-feira, 22 de abril de 2008

JAMES CAMPBELL QUICK é americano, psicólogo, Ph.D. em administração de empresas, professor de comportamento organizacional da Universidade do Texas, editor do principal jornal de psicologia e saúde no trabalho. O texto que segue foi extraído de uma entrevista publicada nas páginas amarelas da revista Veja, na edição de 18/09/02, sob o título “Use o stress a seu favor”.

A maioria das pessoas pensa no stress como algo ruim. Mas, em vez de aprender a evitá-lo, o que é impossível, temos de aprender a controlá-lo e a usá-lo de forma saudável, produtiva e criativa.

Só quem está morto não tem stress. Ele é uma arma que ativa as funções corporais e põe a pessoa pronta para a ação, preparada para sobreviver. Isso vale tanto para coisas como correr ou superar uma ameaça, quanto para construir prédios altos e trabalhar com afinco. Quem não tem stress suficiente não está usando todo o potencial como ser humano.

Para fazer uso positivo do stress, primeiro é preciso identificar o momento em que ele está começando a fazer mal. Numa situação de alto stress, as respostas mais comuns são lutar ou fugir. No trabalho, enquanto o stress está gerando entusiasmo, motivação, ele é bom. Quando ganha as características de desânimo, cansaço, irritação, passa a ser mau. Nesse momento, antes de pedir demissão, vale a pena usar uma técnica respiratória. Inspirar o ar lentamente e tentar levá-lo para a parte inferior do pulmão. É a respiração abdominal. Depois, vem o cuidado com a mente. A pessoa deve concentrar sua atenção em algum ponto fixo ou numa idéia ou frase. Pode ser até algo religioso. Essa é uma forma de sintonizar-se apenas no processo que está acontecendo em seu corpo. Com isso, os sintomas de ansiedade são revertidos. A pressão arterial diminui e os músculos ficam relaxados. O nível de stress desce e pode ser recolocado na direção produtiva. Há quem consiga até regular os batimentos cardíacos agindo assim.

Qualquer um pode fazer isso, desde que tenha treinado. Não basta usar a técnica na primeira situação de stress que aparecer. Para quem treina, na hora em que precisar, vai ser automático.

Um dos métodos para se aprender a ter esse autocontrole é a meditação. O ideal é fazê-lo todos os dias. Encontrar um lugar tranquilo, pouco iluminado, sentar-se numa posição confortável e concentrar-se numa frase ou oração, por quinze ou vinte minutos. Jamais se deve usar o despertador para marcar o tempo, é bom sair lentamente da meditação. Isso facilitará o controle do stress. Um sinal da tensão é a baixa temperatura das extremidades do corpo. Às vezes coloco um termômetro entre meus dedos. A temperatura que, no início da meditação está em 30 graus, ao final chega a 34.

É necessário condicionar-se para obter o equilíbrio entre a tensão e o relaxamento, para poder usar o stress a seu favor. Um atleta ansioso além do ponto perde desempenho. Treinar todos os dias os fundamentos básicos é um aprendizado óbvio. Se escrevo, tenho de treinar para escrever cada vez melhor. Se sou um negociador, idem. Outra coisa importante é que a renovação de energia é tão importante quanto o gasto. É preciso saber quando relaxar e quando se aplicar mais.

Situações desgastantes na vida pessoal podem levar stress ao trabalho, e vice-versa. Os efeitos ruins podem ser minimizados escrevendo diários, com orações ou com a confissão. É suficiente escrever por cinco, quinze minutos, ou meia hora.

Outra grande fonte de stress e risco para a saúde é o isolamento social. Há diferenças entre as pessoas quanto à quantidade de contato social de que precisam. Mas, nenhuma consegue ficar sem.

No início do século passado, o atleta americano Jim Thorpe estava indo para as Olimpíadas na Europa, a bordo de um navio, sentado, e o treinador perguntou: “Por que você não está praticando?”. Ele respondeu: “Treinador, eu estou aqui sentado, com meus olhos fechados, me vendo ganhar uma prova de 100 metros rasos”. Ele estava imaginando, em sua mente, o que iria fazer depois. É a técnica da visualização. Claro que não é só porque se consegue visualizar um fato que ele vai acontecer. Mas, ser capaz de imaginar uma situação ou uma meta, aumenta significativamente a chance de que aquilo seja alcançado.

Quanto à desmotivação, nem sempre é possível evitá-la. E isso não é ruim. Falta de motivação na verdade é falta de gasto de energia. No meu trabalho, há dias em que sou extremamente produtivo. Em outros, faço o meu trabalho e me esforço para me disciplinar. E há até períodos em que estou muito confuso para escrever. Isso não dura muito tempo, mas uso esses períodos de falta de motivação para reposição de energia. Faço um esporte. Períodos curtos de falta de motivação não são ruins. Podem tornar-se momentos de reposição de energia.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

A colônia japonesa de Mombuca surgiu em 1962, a 50 km de Ribeirão Preto, no então distrito de Guatapará. Curiosamente, a palavra “mombuca” não é japonesa – é o nome de uma espécie de abelhas e tem origem indígena.

Mas foi em Mombuca, em 1962, que se estabeleceu a família de Hitoshi Miura, a primeira a trazer o Gohonzon para a região. Ele veio no 2° grupo de um grupo maior de 120 famílias que veio compor a colônia.

Ishizaki foi a segunda família a chegar com seu Gohonzon. Depois vieram as famílias de Tadashi Suzuki e Horikawa.

Em 1964 outras famílias chegaram em Mombuca: Abe, Sakuma, Kimura, Suzuki.

O sr Takeo Abe se converteu ao budismo Nitiren no dia 18 de janeiro de 1958, no Japão. Lá participou ativamente das atividades por seis anos, tendo encontrado uma vez com o presidente Jossei Toda. Foi responsável de bloco, depois nomeado responsável de comunidade, função que não teve muito tempo para desempenhar. Participou da famosa convenção da posse do presidente Ikeda, no dia 3 de maio de 1960. Foi nessa ocasião que ficou sabendo da existência de membros da Soka Gakkai no Brasil, e desejou morar na distante terra, fato que acabou se tornando realidade.

No dia 30 de agosto de 1964, já no Brasil, o sr Abe foi nomeado responsável de bloco, quando foi fundada a primeira comunidade da BSGI na região de Ribeirão Preto: a Comunidade Guatapará, que teve o sr Ishizaki como o seu primeiro responsável.

No ano seguinte, em 1965, foi fundada a segunda comunidade – Comunidade Ribeirão – da qual ficou responsável o sr Abe que, em 1966, passou a liderar um distrito composto por 114 famílias.

Na cidade de Ribeirão Preto, propriamente dita, as primeiras famílias que se converteram ao budismo Nitiren foram Furukawa, Tokairim, Hamamura, Kato e Takeuchi. Eram japoneses que moravam na cidade e, ao menos, conseguiam se comunicar em português, numa época em que a língua falada nas reuniões era o japonês.

Além da região de Ribeirão Preto, o distrito abrangia um vasto território, chegando a alcançar as cidades de São José do Rio Preto, Bastos e até Brasília.

Quanto aos brasileiros natos, os primeiros que por aqui se converteram foram o srs Acílio e Joaquim Taschetti.

Além das pessoas e sobrenomes aqui citados, muitas outras famílias também registraram seu nome na história pioneira: Tanaka, Sato, Kawasaki, Hirabayashi, Kondo, Miyazaki, Wada, Sakuma, Higuchi.

Esses fatos me foram narrados pelo sr Abe, há muitos anos, numa tarde de sábado em que o visitei na sua residência, naquele lugar mágico, fora do tempo e do espaço, chamado Mombuca. Ele falou de pessoas, de nomes e sobrenomes que, hoje, ninguém mais conhece. Mostrou objetos fascinantes e contou histórias que não existem mais. Contou sobre a nascente de onde se originaram muitos e variados rios e afluentes, formada por dezenas e centenas de desafios e dramas pessoais, de extraordinárias conquistas, de feitos inimagináveis que acabaram por ficar perdidos nos vãos e desvãos da história, à espera de alguém que os resgate.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Quando criança acompanhava meus pais em todas as reuniões, e gostava quando elas aconteciam na casa da sra Tokairim (dona Catarina era seu “nome” em português). Era uma casa grande, na rua Mariana Junqueira, com uma ampla sala. Um estreito e alto portão de grades de ferro na entrada da rua. Subiam-se 3 degraus. No corredor de entrada, do lado direito, um aquário que era uma espécie de pequena piscina, feita com tijolos e pedras, com peixes e plantas ornamentais, em meio a um jardim com um pé de romã. Era uma casa meio misteriosa, com alguns segredos. Muitos quartos e um monte de gente estranha: lá funcionava uma pensão. Sempre achei que a casa tinha outra entrada; eu era curioso para descobrir onde era, mas o lugar tinha uns lugares que a gente não tinha permissão para adentrar.

Me lembro da sra Tokarim já viúva, não me recordo do seu marido. Mas sei que foi através do casal que, depois de mais ou menos 3 anos, meu pai decidiu se converter ao budismo, o que ocorreu no dia 28/02/69.

O local – a pensão da dona Catarina - centralizava as atividades do que seria hoje uma comunidade. Reuniões maiores eram numa escola, no centro da cidade, o SERP (não sei o que significava a sigla, todo mundo chamava o local assim mesmo, SERP, mas acho que devia ser algo como Sociedade Educacional de Ribeirão Preto). Lembro de outras reuniões, de maior porte, no salão social da Associação Nipo-Brasileira (ficava na Rua Paraíba, onde também funcionava o cinema em que eram exibidos filmes japoneses). Tempos idos e bem distantes e, evidentemente, nem o maior dos visionários poderia imaginar, à época, algo como o atual Centro Cultural da BSGI de Ribeirão Preto, com suas várias salas e um amplo auditório com poltronas almofadadas, sistema de som, ar condicionado, elevador e muitos outros recursos.

Eu não assistia e nem participava das reuniões. Criança, ia mesmo para bagunçar e brincar com os outros garotos. Mas, nas reuniões maiores, quando a banda tocava, eu ficava de olho. A banda, no caso, era o início do início do Ongakutai: umas 4 ou 5 pessoas, “tocando” as canções da Soka Gakkai com um trompete, um clarinete, uma caixinha, um surdo e um par de pratos. A técnica era pouca, mas a vontade era muita. Em 1974, quando o Ongakutai de Ribeirão Preto foi fundado (o 1° fora da capital de São Paulo), eu tinha 11 anos de idade.

Aos 13 anos devo ter percebido que já estava ficando mais “rapaz” e resolvi praticar o budismo com seriedade. Lembro que tinha ouvido minha mãe comentar sobre um garoto que estava praticando o budismo e participando das atividades e, na minha mocidade, também quis ser alvo de sua admiração.

Na banda, eu queria tocar trombone de vara. Não sei de onde tinha tirado a idéia e, na verdade, eu nem sabia que instrumento era aquele. O responsável não gostou da minha escolha e sugeriu que eu escolhesse outro instrumento, porque eu não tinha nem tamanho para carregar o tal (fato que, de resto, ainda permanece verdadeiro), quanto mais tocá-lo. No fim, acabou que nem participei mais da banda.

Às vezes íamos à São Paulo participar de algum evento e, daquelas antigas grandes reuniões no Palácio Mauá, recordo de pouca coisa. Mas, algo que ficou marcado na minha lembrança foi a visão daqueles rapazes de branco, que me impressionavam pela postura e mobilidade. Era o pessoal do Gajokai (à época o grupo Sokahan ainda não existia). E eu também quis ser um deles.

Aos 15 anos fui nomeado para a primeira função, a de responsável de unidade, função que nem existe mais. Ao longo de 27 anos de atividades na Divisão Masculina de Jovens, a DMJ, foram centenas de viagens, outro tanto de visitas, diálogos, encontros, reuniões, preparativos. Incontáveis desafios vividos com pessoas extremamente competentes, comprometidas, leais, empreendedoras. Não é para qualquer um e, evidentemente, sempre me senti especialmente honrado pelo privilégio de compartilhar com eles muitas conquistas, as quais não é possível enumerar.

Cada realização teve sua importância, sua dinâmica e sua poética. Mas, dentre tantas, há aquelas que, acredito, foram grandes marcos definidores e afirmadores: a inauguração da 1ª Sede Regional, em julho de 1985, na rua Paraíso; a 1ª apresentação das bandas juvenis em um evento externo, na cidade de Monte Alto; o 1° desfile nas ruas de Ribeirão Preto; o Show Musical no Teatro de Arena em 1994; a visita-atividade de 1.000 pessoas ao Centro Cultural Campestre da BSGI; a “volta para casa” na comemoração dos 35 anos da BSGI Ribeirão Preto em Mombuca; a Exposição de Desenhos das Crianças do Brasil e do Mundo no Novo Shopping em março de 2000; a construção e inauguração do Centro Cultural, no final de 2001.

Alguns estão ativos na DMJ ainda, outros já se formaram da divisão. Mas a história deixada é longa e definitiva. O grande legado daquele grupo de pessoas foi, certamente, a criação, o desenvolvimento, o fortalecimento e a consolidação dos chamados grupos horizontais, e o estabelecimento de procedimentos e de uma forma de atuação que se tornou o diferencial, a marca característica e a grande força de realização da BSGI de Ribeirão Preto. Enquanto estiverem bem, não há com que se preocupar.

quinta-feira, 20 de março de 2008

Trechos extraídos de matéria publicada na revista Superinteressante (outubro/2003 - "É só respirar")

As pesquisas comprovam: meditar afeta, de fato, as ondas cerebrais, e produz efeitos positivos sobre o sistema imunológico, reduz a tensão e alivia a dor, além de ser um bom antídoto ao estresse.

Segundo o psicólogo José Roberto Leite, coordenador do Instituto de Medicina Comportamental da Unifesp, focalizar a atenção no mundo interior, como se faz na meditação, é uma situação terapêutica.

No passado, os males eram causados principalmente por microorganismos. As pessoas morriam de poliomielite, de sarampo, de varíola e outras doenças causadas por bactérias e vírus. Isso mudou, graças às melhorias em saneamento e outros avanços na área da saúde, como a criação de antibióticos e vacinas. Hoje, a maioria das doenças é causada por coisas como hipertensão, obesidade e dependência química, que estão ligadas a padrões inadequados de comportamento. Ou seja, o que mata hoje são os maus hábitos.

Esses maus hábitos podem ser combatidos pela meditação, também chamada de “prática contemplativa”. Sabe-se que apaziguar a mente pode reduzir o nível de ansiedade e corrigir comportamentos pouco saudáveis.

Nos anos 70, o cantor e compositor Walter Franco já cantava que tudo é uma questão de "manter a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo".

Os efeitos da meditação sobre o corpo são surpreendentes: consome-se menos oxigênio e diminui-se o ritmo cardíaco. As ondas cerebrais alcançam o chamado ritmo teta, mais lento e poderoso, vibrando a apenas 4 ciclos por segundo (quando estamos ativos, o cérebro emite ondas beta, em torno de 13 ciclos por segundo).

No momento da meditação, o fluxo sanguíneo diminui em quase todas as áreas cerebrais, mas aumenta na região do sistema límbico, o chamado “cérebro emocional”, responsável pelas emoções, a memória e os ritmos do coração, da respiração e do metabolismo.

Andrew Newberg, da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, constatou que em práticas como a meditação e a oração, ocorre uma significativa alteração no lobo parietal superior, localizado na parte anterior do cérebro e responsável pelo senso de orientação – a capacidade de percepção do espaço e do tempo e da própria individualidade. Segundo suas descobertas, à medida que a contemplação se torna mais profunda, a atividade na região diminui aos poucos até cessar totalmente no momento de pico, aquele em que o meditador experimenta a sensação de unicidade com o Universo, cerca de uma hora após o início da concentração. Nesse instante, privados de impulsos elétricos, os neurônios do lobo parietal desligam os mecanismos das funções visuais e motoras e o meditador ou devoto perde a noção do “eu” e sente-se prazerosamente expandido, além de qualquer limite. É o nirvana.

Com suficiente prática, os neurônios podem reprogramar a atividade dos lobos cerebrais, especialmente a área relacionada à concentração e à orientação.

E como se medita? Há várias maneiras, mas a regra básica é a mesma: concentração. Vale concentrar-se na respiração, uma imagem, um som ou na repetição de uma palavra.

Pode-se meditar sentado no chão ou em uma cadeira. Nesse caso, mantenha a coluna ereta e concentre-se nos movimentos derespiração, observando a entrada e a saída do ar pelas narinas. Se preferir, concentre-se num mantra, que deve ser repetido a cada expiração. Fechar os olhos pode ajudar. Se ficar de olhos abertos, concentre o olhar em um ponto.


OBS: a recitação do daimoku é uma prática meditativa

terça-feira, 11 de março de 2008

Parece que, ao pensar e escrever sobre coisas que se foram, o passado começa a remoer em algum lugar, dentro da cabeça. No meu caso, quase que saltou para fora. Lembrei de acontecimentos, pessoas, lugares, objetos, com uma estranha riqueza de detalhes. Detalhes dos quais, aliás, eu nunca tinha me dado conta. E que eu nem sabia que sabia.

Lembrei-me de uma noite em que - ainda moleque, quase criança - depois de uma reunião, a pedido do meu pai, acompanhei uma senhora - dona Teresinha, grande pioneira e veterana de São Joaquim da Barra – do bar até a rodoviária. Acho que fomos eu e meu irmão. Não sei porque isso ficou marcado na minha memória. Imagino até que não tenha sido bem como ficou gravado. Mas, ao retornar, devo ter ficado orgulhoso com a sensação do dever cumprido e de ter podido ajudar alguém. Deve ter sido a primeira vez que fiz algo por alguém, sem ganhar nada em troca. Até então, ou alguém me levava, ou eu ia sozinho. Nunca tinha levado ninguém a nenhum lugar. E, ao lembrar da dona Teresinha, imediatamente lembrei do sr. Lauro, seu falecido marido. Magro, alto e, na minha lembrança de criança, sempre sorridente. Nem sei se ele era mesmo magro e alto, mas é essa a imagem que ficou marcada.

Como a imagem do sr. Acílio, sempre com seu guarda-chuva. E sempre com um caderno ou um livro na mão. E a sra. Hamamura – a dona Cristina - no box do mercadão, sorridente e atenciosa e, mesmo de avental, sempre com um porte elegante. O sr. Joaquim Taschetti, com seu bigodão, que não consigo lembrar de ter visto alguma vez desacompanhado da dona Carlota. Tantos outros, muitos nomes e sobrenomes... Altino, Oscar, Higino, Geraldo, Odila, Mauro, Luis, Senju, Yoshitome, Ushirobira, Ishizaki, Tokairim, Tawada, Nemoto, Saito... Aliás, os casais Nemoto e Saito eram os velhinhos mais velhinhos e mais vigorosos e mais simpáticos e mais ternos que já conheci... Lembro de seus movimentos lentos e seguros, de suas mãos de avós, cumprimentando, acenando, afagando... Quanta história, quanta riqueza...


Acho que naquele tempo todos eram sorridentes: só consigo lembrar deles assim, com um sorriso no rosto. Até a lembrança do sr. Abe, que não falava português e cuja feição sempre me remeteu ao sr. Makiguti, só me aparece sorrindo.

Minhas reverências a meus preciosos professores.

terça-feira, 4 de março de 2008


No dia 28 de fevereiro minha mãe completou 81 anos de idade. Nesse mesmo dia, em 1969, nos convertemos ao budismo Nitiren. Meu pai tinha 47 anos e minha mãe completava, naquele exato dia, 42 anos. Eu tinha quase 6 anos de idade. E lá se foram 39 anos.

Não me lembro de quase nada daquele dia.

Me recordo, daquela época, de meus pais sentados diante do Gohonzon, para o gongyo, e eu e meu irmão atrás, morrendo de rir, achando graça de tudo. Também me recordo de que sentávamos em nossos carrinhos de brinquedo para recitar o daimoku. Acho que o meu era preto, com alguns detalhes em vermelho... talvez fosse um carro de polícia, sei lá.... Os meus pais à frente, nós sentados atrás, em nossos brinquedos.

Tínhamos um bar, e morávamos nos fundos. Rua José Bonifácio, no quarteirão da frente do Mercado Municipal, bem no meio do baixadão. Diante do bar, na esquina com a rua São Sebastião, ficava o açougue dos irmãos Oranges que, na época, era o maior da cidade. Atrás, do outro lado do quarteirão, a Avenida Jerônimo Gonçalves. A rodoviária ainda não era ali - ela ficava onde hoje é um posto do Corpo de Bombeiros.

Do lado direito do bar ficava a loja do Sr Elias. Ele falava, mas não tinha voz, porque tinha um furo bem no meio da garganta (o que, para uma criança, era motivo de muita fantasia). Só bem depois fui saber do que se tratava: traqueostomia. Do outro lado não me recordo, mas sei que tinha a loja do Sr Nadim, que foi meu padrinho de batismo (sim, fui batizado!). Acho que foi dele que ganhei meu primeiro brinquedo (não sei se estou misturando as memórias, mas era uma locomotiva de trem, com bolinhas coloridas na chaminé).

Atravessando a rua tinha o Cantinho da Música, que está lá até hoje, no mesmo lugar. A Radio Lar também está lá, mas mudou de lado da rua. Já, a Casa Spanó, que vendia artigos de caça e pesca, não existe mais.

Ali nasci e cresci, na baixada da cidade, nos fundos de um bar.

A casa onde morávamos não era bem uma casa (afinal, os fundos de um bar...). E, não sei como, cabíamos todos lá. Meu pai, minha mãe e 8 irmãos em um cômodo de quarto, sala e cozinha. O banheiro era externo, e era o mesmo que servia ao bar, no fim do corredor. O banho só podia ser tomado depois que acabava o movimento do bar, e o chuveiro só tinha água fria. Caso contrário, o banho tinha que ser de bacia, no chão da cozinha. Não tínhamos vizinhos. Nossa casa não tinha cara de casa, não tinha frente de casa, não tinha porta de casa, não tinha janelas de casa. Entrávamos e saímos pela porta do bar. O chão era de assoalho de madeira e tinha por baixo um porão, onde as coisas viviam caindo e, por consequência, ficavam perdidas para sempre. Na minha infância, aquele porão era habitado por seres estranhíssimos.

Hoje sabemos mas, na época, nem imaginávamos como éramos pobres.

Ainda moleque, uma de minhas diversões era subir no muro da loja ao lado e, de lá, ganhar os telhados das lojas de onde, eu e meu irmão, secretamente de nossos pais, explorávamos o mundo. Não sei quantas telhas quebramos até aprender a andar por cima delas. E não posso negar: era uma delícia.

A parte da frente do bar tinha um balcão com alguns bancos e umas poucas mesas. Atrás tinha um salão com mais mesas e era lá, naquele salão, que as reuniões começaram a ser realizadas. As mesas eram afastadas, as cadeiras do bar arrumadas e estava tudo pronto para mais uma animada reunião.

E foram muitos e muitos encontros. Quanta gente por lá passou, em busca de alento, de esperança, de ouvidos, de palavras. Lá, no bar da minha infância, onde tudo começou. Um lugar que muita gente ainda carrega na memória. E que outras, mesmo sem terem lá estado e mesmo sem o saber, também carregam.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Vezes há em que as palavras, quando escritas, adquirem outra força ou têm um impacto diferente. Já me encontrei e dialoguei com muitas pessoas, mas para algumas delas achei de escrever. Anos atrás escrevi a uma amiga que passava por momentos complicados. O nome dela não importa e nem sei se ela ainda se lembra da carta, mas o afeto e carinho que me moveu a escrever é legítimo e ainda perdura.

Podemos dizer que nossa vida é fruto da interação do que somos com o que nos cerca. Há coisas em nós mesmos que nos desagrada, como há outras, nas pessoas, que igualmente nos incomodam. É preciso, então, que nos equilibremos e saibamos lidar com as situações. Desvendado o segredo do equilíbrio, estaremos próximos da sabedoria, do discernimento e da liberdade.

Enquanto isso, precisamos estar bem. É preciso jogar o jogo da vida. E a vida, como os jogos, tem suas regras. Umas claras e visíveis, outras implícitas e sutis. Há parceiros, mas há também adversários. Enfrentamos competidores, uns leais, outros desonestos. Mas a escolha das armas é pessoal. Como pessoal é a coragem. Afinal, é preciso coragem para pensar, como é preciso para sofrer ou lutar, porque ninguém pode pensar em nosso lugar, nem sofrer ou lutar em nosso lugar.


Duros são os momentos em que tudo parece estar perdido e, cansados e vencidos, somos tentados a desistir. Muitas vezes, perplexo e aturdido, me peguei tentando entender e encontrar razões. E, desarmado, fatigado, incapaz, impotente, deixava abertos todos os espaços para que a maldade - velha vilã invisível e insaciável - penetrasse. Felizmente, sempre consegui despertar a tempo. E você não sabe contra quais e quantas forças já precisei enfrentar, por mim e por vocês.


Uma vez jurei que nunca perderia. Não foi um desejo e nem uma decisão. Foi um juramento. Não tenho muitas qualidades. Poucas são minhas virtudes. Minha fé também é fraca. Mas, até agora, tenho conseguido cumprir meu juramento e, sei, porque conto com a ajuda de muitos amigos que nunca permitem que eu perca. Talvez venha daí o que você chama de comprometimento. Menos que compromisso, acho que é mera retribuição.


Sim, perdi muitas vezes. E me esforcei para transformar cada derrota em vitória. Cometi muitos erros e muitos outros ainda virão (afinal, quem está livre deles?). De qualquer forma, não me arrependo de nada do que tenha feito ou deixado de fazer. Não carrego mágoas ou frustrações.


Às vezes não é bom levar tudo tão a sério. Para mim, não há razão para tensões exageradas, ou para que nos angustiemos em demasia. A vida toda deve ser uma grande diversão, um grande prazer. Não fosse assim, qual o sentido e a graça das coisas? Não quer dizer que devamos ser negligentes, descuidados ou irresponsáveis. Mas, acho que tem a ver com liberdade e felicidade. Ser capaz de, independentemente de qualquer coisa, sorrir, significa ser maior do que tudo. O sorriso é a vitória do espírito.


Acredito que tudo esteja sendo difícil para você. Com razão, deve estar se sentindo incapaz diante de coisas que não são nem pequenas nem grandes, mas são importantes. Mas, dificuldades e condições desfavoráveis estarão sempre presentes, em quaisquer tempos, espaços ou dimensões. E, você sabe, minha filosofia pessoal é: faça sempre o melhor! E não se preocupe em demasia com o que pensam de você. Você não é o que pensam de você. Você é o que você é. Precisamos, sim, revelar nossa verdadeira identidade. Daimoku.


De qualquer forma, fique sempre tranquila. Faça sempre o que deve ser feito, e não se preocupe com resultados. Falo por mim: feito o que deve ser feito, a vitória é certa e natural. Sendo certa e natural, não é preciso se preocupar com ela.


Se precisar, dê vazão a seus anseios e incômodos. Estarei sempre por perto. Fique próxima.