terça-feira, 15 de julho de 2008

Coincidências acontecem em toda parte e com toda a gente. Mas, quando elas acontecem fica no ar a polêmica entre os que preferem o argumento racional, baseado em cálculos probabilísticos, e os que adotam a justificativa religiosa de que nada ocorre por acaso. A novidade é que um filão recente da pesquisa científica pode estar prestes a romper essa dicotomia. Nessa nova perspectiva, as coincidências fazem parte de um fenômeno amplo e universal, cujas entranhas guardam os segredos da própria funcionalidade do cosmo: o fenômeno da sincronia.

Na contramão de algumas teorias e até das leis da termodinâmica – que sugerem a implacável degeneração da natureza num estado de grande desordem - o estudo da sincronia sugere um universo mais harmônico e cooperativo do que jamais imaginamos. Um lugar onde todas as partes bailam em parceria, sob o comando de uma ordem coletiva e espontânea.

“O universo inteiro parece carregar as sementes de sua ordenação”, diz Steven Strogatz, matemático da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, pioneiro do que vem sendo rotulado de ciência da sincronicidade. Strogatz publicou o livro Sync – the emerging science of spontaneous order (“Sincronia – a emergente ciência da ordem espontânea”), no qual resume o histórico e o propósito do novo campo de estudo, comenta teorias e modelos já concebidos e prevê a aplicação da sincronia em áreas tão diversas quanto os congestionamentos de trânsito, as oscilações do mercado financeiro e a prevenção de doenças genéticas.

O panorama apresentado no livro de Strogatz impressiona, mas é provável e realista, segundo o doutor em física Murilo Baptista, da área de sistemas dinâmicos do Instituto de Física da Universidade de São Paulo. “Já que não existem sistemas isolados na natureza e a sincronicidade pode ocorrer também nas interações muito fracas, é de se esperar que o fenômeno da sincronia seja mesmo frequente”, diz Murilo.

A idéia central é que a sincronização entre sistemas em interação descreve o surgimento de uma ordem coletiva, a tal ponto que a observação de apenas um sistema leva ao conhecimento do estado de todo o conjunto. Compreender os sincronismos pode ser o meio de explicar uma infinidade de comportamentos naturais.

A investigação dos sistemas sincrônicos é recente e multidisciplinar, mas o fenômeno da sincronia é conhecido desde o século 17. Em 1665, o físico holandês Christiaan Huygens estava na cama, doente, quando percebeu que, independentemente do estado inicial de cada um, os pêndulos de dois relógios que ele construíra logo adotavam o mesmo ritmo, um movendo-se para esquerda e o outro para a direita. Surpreso, Huygens atribuiu o fenômeno a uma pulsação transmitida através da trave de madeira que sustentava os relógios, mas ninguém lhe deu crédito. Seu raciocínio só seria resgatado na década de 1960 pelo biólogo americano Arthur Winfree, na época experimentando com osciladores emparelhados – máquinas de comportamento repetitivo, como os pêndulos, utilizadas na simulação de sistemas sincronizados.

Além da experiência com as máquinas, mais precisas que os relógios de Huygens, Winfree estudou o sincronismo entre seres vivos a partir do espetáculo dos vagalumes no Sudeste Asiático, que aos milhares costumam piscar em uníssono nos matagais ribeirinhos. O fenômeno começa com cada inseto emitindo flashes em seu próprio ritmo. Uma hora depois já há bolsões de sincronia que se ampliam, formando uma nuvem de vagalumes piscando como se fossem um único e gigantesco inseto. Como isso acontece? Winfree descobriu que o piscar do vagalume é um sinal que estimula o vizinho a reprogramar a sua própria frequência de flashes, ajustando-a ao ritmo do companheiro. Estabelecida a sincronia em uma dupla, o efeito se espalha pelo resto do grupo. Seja em um bando de vagalumes ou em outros tipos de sistemas, a sincronização só ocorre quandos os sinais trocados pelos indivíduos superam a frequência inicial de um ou de outro, provocando a “reprogramação” dos ciclos do indivíduo influenciado. “Abaixo desse marco, predomina a anarquia. Acima dele, estabelece-se um ritmo coletivo”, escreveu Winfree.

“A sincronia se manifesta do subatômico ao macrocosmo, em escalas de frequências que variam de bilhões de oscilações por segundo a apenas um ciclo em 1 milhão de anos”, diz Strogatz. O movimento da Luz em torno da Terra é síncrono, mas a sincronicidade Terra-Lua, de comportamento periódico e estável, não é a mesma dos sistemas caóticos. Nestes, a sincronia preserva o comportamento caótico de cada elemento que, por sua vez, apresenta uma complexidade singular. No trânsito, por exemplo, cada automóvel tem sua complexidade, mas também interage com os demais veículos, influenciado por fatores como as regras do tráfego e o tempo dos semáforos. Se conseguirmos equacionar esses fatores, será possível colocar os veículos em sincronia, fazendo com que um tráfego congestionado venha a se comportar como tráfego intenso, porém fluindo satisfatoriamente.

Desafio ainda maior é estabelecer uma teoria da sincronicidade em eventos humanos. Muitos pesquisadores falham nesse intento, segundo Strogatz, porque seus modelos subestimam a volição característica do homem e pretendem que ele atue como um robô. A evidência da sincronia humana, no entanto, salta de estudos recentes e da observação comum do cotidiano. Quem já viajou com um grupo grande de mulheres provavelmente ficou sabendo que um bom número delas mestruou de repente, praticamente na mesma hora. A harmonização do ritmo, nesse caso, seria resultado de uma “comunicação química” entre as mulheres por meio de feromônios, o mesmo tipo de hormônio, percebido pelo olfato, que funciona na atração sexual. A sincronia também estaria por trás de ocorrências como a moda e as manifestações coletivas – dos aplausos aos confrontos de rua – e, sobretudo, do funcionamento do cérebro e dos genes.

“Apesar de os cientistas ainda se esforçarem para entender a base neural dos pensamentos e sentimentos, estudos feitos por neurobiologistas atestam que os atos cognitivos estão ligados a ondas de sincronia entre neurônios”, diz Strogatz. Um insight seria como uma rajada elétrica sincrônica, um instante em que partes separadas do cérebro entram em harmonia. O esclarecimento desse tipo de sincronia pode levar, talvez, à solução do enigma da consciência e à prevenção de distúrbios como a epilepsia. E também ao entendimento das coincidências do dia-a-dia.

Como no caso dos flashes dos vagalumes e dos feromônios, as coincidências ocorreriam com base numa comunicação física entre as partes, ainda que não perceptível em escala macro. Uma sincronia entre elementos nos níveis atômico e subatômico, cujos efeitos se refletiriam na atividade cerebral.

Como essa suposta comunicação ocorre é uma incógnita, embora experimentos e equações da mecânica quântica indiquem a ocorrência de um tipo de comunicação não-local (fora do espaço-tempo). É o caso da experiência realizado nos anos 60 pelo físico britânico J. S. Bell com um par de fótons (partículas elementares da luz) correlacionados e enviados em direções distintas. Mesmo à distância, um evento que afetava um dos fótons também atingia o outro. Muitos estudiosos do sincronismo consideram esse fato uma explicação possível para os acasos. Portanto, da próxima vez que uma coincidência acontecer, não se espante. Você provavelmente trabalhou para que ela ocorresse.


revista superinteressante - julho 2003

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