quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Fevereiro de 1984.

As semanas se passaram rapidamente e agora, depois de meses de preparativos, era questão de dias.

Eu e meus companheiros de Ribeirão Preto éramos os únicos membros do interior participando do esquema do seiri e, conforme combinado, permanecemos em São Paulo por 10 dias seguidos.

Ficamos hospedados na pensão do sr. Komatsu, na rua Barão de Iguape, bairro da Liberdade. Era onde meu irmão morava na época em que estudou na faculdade de engenharia da USP.

A pensão era... bem, era uma pensão... acho que quem nunca entrou numa pensão não vai conseguir imaginar como é... posso dizer que não é o que se pode chamar de um lugar elegante, bonito e confortável. Mas era o que, na época, estava ao nosso alcance. Lá, na sua pensão, o sr. Komatsu nos recebeu gentil e graciosamente. Dividimos beliches num quarto meio escuro. Me lembro de tudo, desde o misto de coragem e desamparo até o cheiro meio úmido. Interessante como as sensações retornam e invadem os sentidos novamente.

Fui designado para fazer parte da recepção do Grupo Sakura (grupo que veio do Japão para participar do festival), escalado para o plantão noturno em um dos hotéis em que o grupo ficou hospedado. Meu plantão se iniciava às 18:00 ou 18:30 horas. Eu ficava na central do hotel durante a noite, e saía no dia seguinte, de manhã. Daí voltava à pensão, para descansar. Às vezes ia andar à toa pela cidade, sozinho. Para almoço, comprava bentô nas lojinhas da Liberdade e, às vezes, me permitia tomar também suco de soja, daqueles que vêm em saquinho e se bebe bem geladinho.

À medida em que a data do festival se aproximava, os dias foram ficando mais movimentados. Então, eu fazia plantão à noite no hotel, saía, descansava um pouco e, antes do outro plantão, ia ajudar em algo, onde precisasse. Nas vésperas só retornava à pensão para o banho.

No dia em que o presidente Ikeda chegou, eu estava no Velódromo do Ibirapuera, onde os ensaios estavam sendo realizados. Eu não estava de seiri. Já incorporado a meu grupo de plantão, aproveitava uma rara oportunidade - bem no meio do calor de tudo que acontecia, completamente à vontade, sem nenhuma atribuição, responsabilidade ou tarefa para cumprir – para observar e apreender o que fosse possível. Andei por todos os cantos, e num determinado momento, sozinho, num lugar completamente isolado, eu refletia e observava à distância a movimentação das pessoas. Foi dali que vi quando o ensaio foi paralisado. As pessoas pararam tudo o que estavam fazendo e se reuniram para ouvir a notícia: o avião com o presidente Ikeda tinha pousado na cidade de São Paulo. A vibração e eletricidade que percorreu o local foi indescritível. As pessoas se abraçavam, festejando. Ondas de alegria, de emoção, de alívio. Finalmente tinha acontecido. E eu ali, sozinho, sem poder abraçar ou cumprimentar alguém. E, ao mesmo tempo, abraçando a todos com o meu olhar. Eu também estava emocionado, alegre e feliz. Observava tudo de longe. Era 18 de fevereiro de 1984.

Uma semana depois, no dia 26, aconteceu o tão aguardado festival para celebrar o tão aguardado encontro. Mas o mais marcante mesmo tinha sido o dia anterior.

Sábado, dia 25, ensaio geral do grande evento – o 1° Festival Cultural e Esportivo da SGI no Brasil. Tudo sendo realizado como se fosse o próprio festival. O Ginásio do Ibirapuera lotado, com uma platéia formada por pessoas que, por motivos de limitação de espaço, não poderiam, por óbvio, estar no festival propriamente dito. E, logicamente, sabiam que não iam poder compartilhar com a presença do visitante ilustre, a quem era oferecido o festival. E o que aconteceu todo mundo já sabe: o presidente Ikeda lá compareceu, de surpresa. E, porque inesperado, o encontro foi altamente especial e as manifestações de uma espontaneidade mágica e comovente, sem maiores formalidades. O presidente Ikeda passando pela quadra, com os polegares erguidos. De xereta, eu estava lá.

No domingo, também a tudo assisti. Não as apresentações que, estas, para falar a verdade, não me interessavam muito. Do lado de fora do ginásio de esportes, o espetáculo que vi foi o das pessoas comuns, transformadas em grandes artistas da vida, no desempenho desmedido de seus esforços. A concentração, os momentos que antecediam cada apresentação. A torcida e expectativa de quem ficava, esperando sua vez de também se apresentar. A saída dos figurantes do ginásio, depois de se apresentarem, de volta ao local da concentração, com olhares brilhantes em faces mais brilhantes ainda, os sorrisos mais abertos que alguém poderia estampar, misturados com lágrimas de alegria e multiplicados em incontáveis rostos radiantes. Milhares de pessoas, cada um na sua singularidade, fazendo do seu trabalho individual o melhor de si, para compor uma extraordinária e complexa sinfonia de cores, luzes, sons. Uns no palco com seus trajes coloridos, instrumentos, bandeiras, lanternas, danças, painéis. Outros nos bastidores, com seus uniformes, posturas e esforços, coordenando a movimentação e zelando pelo bom andamento e segurança de todos. Cada um, contribuindo com sua nota particular para compor a gloriosa melodia da vitória.

Não são muitas as pessoas que podem testemunhar momentos encantados e inenarráveis, de um ponto de observação tão privilegiado. Só podiam mesmo deixar marcas indeléveis e invisíveis, que se incorporam por completo na vida de quem viu.

E quem viu pode contar.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Em fevereiro de 1984 eu atuava como vice-responsável da DR (hoje DMJ) do subdistrito Franco da Rocha.

(O nível da estrutura organizacional chamado “subdistrito” não existe mais, em seu lugar foi implantada a comunidade, para possibilitar às pessoas a participação em atividades em locais mais próximos de suas residências. Para implantação do sistema de comunidade, a BSGI toda foi reestruturada, primeiro em São Paulo, em torno da sede central. No interior da BSGI, Ribeirão Preto foi a primeira localidade a implementar a nova estrutura, num extraordinário trabalho de levantamento geral de famílias e recomposição organizacional e, hoje, é quase inacreditável que tudo tenha sido feito à base de lápis, borracha, caneta, máquina de escrever, fichas, papel sulfite, carbono. E muita vontade de acertar.)

À época e desde sempre, eu ouvia as histórias da 1ª (1960) e da 2ª (1966) visitas do presidente Ikeda ao Brasil, e a frustrada 3ª visita que, passados muitos anos, ainda não tinha ocorrido.

Pois era chegado o momento. A BSGI (na época ainda com a velha denominação de NSB) se movimentava em torno da ansiosamente aguardada 3ª visita do presidente Ikeda. Um grande festival estava sendo preparado para a ocasião e, claro, todos queriam participar.

O agitado final de 1983 e início de 1984 foi todo preenchido com os preparativos e ensaios para o festival. Os ensaios eram realizados em São Paulo, nos finais de semana. Às 5ªs feiras realizávamos as reuniões de daimoku (que chamávamos de shodaikai) na rua Paraíso (então residência da família Suzuki que, depois, se tornou a antiga Sede Regional). A maioria do pessoal participava da atividade de pé mesmo: não cabiam todos, e ficava mais gente fora do que dentro da sala - no alpendre, ao lado da janela, na calçada. Na sala superlotada o calor era quase insuportável, mas a atividade era imperdível de tanta animação – logicamente ainda nem podíamos imaginar o que seria realizar uma reunião numa sala ampla, com as pessoas devidamente acomodadas em cadeiras confortáveis, com ar condicionado...

Os ensaios aconteciam em praticamente todos os finais de semana, em São Paulo, e os participantes que faltassem corriam o risco de perder a vaga.

Todas as pessoas da localidade de Ribeirão Preto e região que participavam dos ensaios, o faziam como figurantes, exceto 4: eu, meu irmão Celso e mais 2 companheiros de desafio - o Antonio Quintilhano (já falecido) e o Moura.

O desafio dos 4 foi realmente grande, pois nosso objetivo era participar do seiri. Ocorre que o seiri era responsabilidade do Sokahan (grupo que à época tinha pouco mais de 1 ano de existência no Brasil), e não éramos membros do grupo (Celso, na verdade, fazia parte do Sokahan, pois estudava em São Paulo e lá tinha residência e atuação, tendo sido, inclusive, um dos fundadores do grupo – mas, como estava sempre em Ribeirão Preto, constantemente viajávamos juntos).

Quase todo o pessoal viajava em grupo, com ônibus fretado. Mas nós sempre íamos separados dos demais, em ônibus de linha, porque tínhamos que chegar antes (pois o seiri é o primeiro que chega, e o último que sai). Nosso retorno também era separado, sempre chegávamos em Ribeirão Preto muito depois.

Acho que éramos os únicos participantes do seiri que não moravam em São Paulo. E o fato de sermos do interior não nos conferia nenhuma regalia ou tratamento diferenciado. Até pelo contrário. Aliás, fomos autorizados a participar do seiri advertidos para o fato de que seríamos considerados como os demais, todos moradores em São Paulo, ou seja: locomoção, pernoite, alimentação, seriam tudo por nossa própria conta e risco. E nenhum privilégio como chegar mais tarde ou ir embora mais cedo do seiri. Só retornávamos depois de finalizados os trabalhos, e a dispensa geralmente se dava em uma reunião geral de encerramento.

Era extenuante. Depois de um final de semana movimentado, ainda tínhamos que nos deslocar para a rodoviária, noite adentro, cansados, com fome, sem dinheiro. Mas tudo era também apaixonante. Aliás, tudo era movido à paixão. O que nos fazia superar cansaço, fome, sede, incômodos.

25 anos depois, tudo retorna à minha mente: minha velha mochila de lona verde, minha roupa branca de seiri, as viagens nos ônibus do Cometa ou da Rápido Ribeirão, o frescor das madrugadas quando chegávamos no terminal rodoviário do Tietê, o metrô, o trajeto da rua Vergueiro até o Centro Cultural na rua Tamandaré, a parada na padaria da esquina para um pão com manteiga na chapa e um pingado, os deslocamentos na carroceria do caminhão de materiais, os ensaios, a movimentação, as pessoas chegando, ensaiando, lanchando, descansando, indo embora para suas casas, os pernoites nos locais mais inusitados, os companheiros mais incríveis que se pode conhecer, as brincadeiras, a seriedade, a rigorosidade, os treinamentos, os desafios, a sinceridade. Raríssimas oportunidades, numa extraordinária escola de vida, com aulas dinâmicas, intensas, reais.

E, 25 anos atrás, fevereiro de 1984 chegou.