quinta-feira, 20 de março de 2008

Trechos extraídos de matéria publicada na revista Superinteressante (outubro/2003 - "É só respirar")

As pesquisas comprovam: meditar afeta, de fato, as ondas cerebrais, e produz efeitos positivos sobre o sistema imunológico, reduz a tensão e alivia a dor, além de ser um bom antídoto ao estresse.

Segundo o psicólogo José Roberto Leite, coordenador do Instituto de Medicina Comportamental da Unifesp, focalizar a atenção no mundo interior, como se faz na meditação, é uma situação terapêutica.

No passado, os males eram causados principalmente por microorganismos. As pessoas morriam de poliomielite, de sarampo, de varíola e outras doenças causadas por bactérias e vírus. Isso mudou, graças às melhorias em saneamento e outros avanços na área da saúde, como a criação de antibióticos e vacinas. Hoje, a maioria das doenças é causada por coisas como hipertensão, obesidade e dependência química, que estão ligadas a padrões inadequados de comportamento. Ou seja, o que mata hoje são os maus hábitos.

Esses maus hábitos podem ser combatidos pela meditação, também chamada de “prática contemplativa”. Sabe-se que apaziguar a mente pode reduzir o nível de ansiedade e corrigir comportamentos pouco saudáveis.

Nos anos 70, o cantor e compositor Walter Franco já cantava que tudo é uma questão de "manter a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo".

Os efeitos da meditação sobre o corpo são surpreendentes: consome-se menos oxigênio e diminui-se o ritmo cardíaco. As ondas cerebrais alcançam o chamado ritmo teta, mais lento e poderoso, vibrando a apenas 4 ciclos por segundo (quando estamos ativos, o cérebro emite ondas beta, em torno de 13 ciclos por segundo).

No momento da meditação, o fluxo sanguíneo diminui em quase todas as áreas cerebrais, mas aumenta na região do sistema límbico, o chamado “cérebro emocional”, responsável pelas emoções, a memória e os ritmos do coração, da respiração e do metabolismo.

Andrew Newberg, da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, constatou que em práticas como a meditação e a oração, ocorre uma significativa alteração no lobo parietal superior, localizado na parte anterior do cérebro e responsável pelo senso de orientação – a capacidade de percepção do espaço e do tempo e da própria individualidade. Segundo suas descobertas, à medida que a contemplação se torna mais profunda, a atividade na região diminui aos poucos até cessar totalmente no momento de pico, aquele em que o meditador experimenta a sensação de unicidade com o Universo, cerca de uma hora após o início da concentração. Nesse instante, privados de impulsos elétricos, os neurônios do lobo parietal desligam os mecanismos das funções visuais e motoras e o meditador ou devoto perde a noção do “eu” e sente-se prazerosamente expandido, além de qualquer limite. É o nirvana.

Com suficiente prática, os neurônios podem reprogramar a atividade dos lobos cerebrais, especialmente a área relacionada à concentração e à orientação.

E como se medita? Há várias maneiras, mas a regra básica é a mesma: concentração. Vale concentrar-se na respiração, uma imagem, um som ou na repetição de uma palavra.

Pode-se meditar sentado no chão ou em uma cadeira. Nesse caso, mantenha a coluna ereta e concentre-se nos movimentos derespiração, observando a entrada e a saída do ar pelas narinas. Se preferir, concentre-se num mantra, que deve ser repetido a cada expiração. Fechar os olhos pode ajudar. Se ficar de olhos abertos, concentre o olhar em um ponto.


OBS: a recitação do daimoku é uma prática meditativa

terça-feira, 11 de março de 2008

Parece que, ao pensar e escrever sobre coisas que se foram, o passado começa a remoer em algum lugar, dentro da cabeça. No meu caso, quase que saltou para fora. Lembrei de acontecimentos, pessoas, lugares, objetos, com uma estranha riqueza de detalhes. Detalhes dos quais, aliás, eu nunca tinha me dado conta. E que eu nem sabia que sabia.

Lembrei-me de uma noite em que - ainda moleque, quase criança - depois de uma reunião, a pedido do meu pai, acompanhei uma senhora - dona Teresinha, grande pioneira e veterana de São Joaquim da Barra – do bar até a rodoviária. Acho que fomos eu e meu irmão. Não sei porque isso ficou marcado na minha memória. Imagino até que não tenha sido bem como ficou gravado. Mas, ao retornar, devo ter ficado orgulhoso com a sensação do dever cumprido e de ter podido ajudar alguém. Deve ter sido a primeira vez que fiz algo por alguém, sem ganhar nada em troca. Até então, ou alguém me levava, ou eu ia sozinho. Nunca tinha levado ninguém a nenhum lugar. E, ao lembrar da dona Teresinha, imediatamente lembrei do sr. Lauro, seu falecido marido. Magro, alto e, na minha lembrança de criança, sempre sorridente. Nem sei se ele era mesmo magro e alto, mas é essa a imagem que ficou marcada.

Como a imagem do sr. Acílio, sempre com seu guarda-chuva. E sempre com um caderno ou um livro na mão. E a sra. Hamamura – a dona Cristina - no box do mercadão, sorridente e atenciosa e, mesmo de avental, sempre com um porte elegante. O sr. Joaquim Taschetti, com seu bigodão, que não consigo lembrar de ter visto alguma vez desacompanhado da dona Carlota. Tantos outros, muitos nomes e sobrenomes... Altino, Oscar, Higino, Geraldo, Odila, Mauro, Luis, Senju, Yoshitome, Ushirobira, Ishizaki, Tokairim, Tawada, Nemoto, Saito... Aliás, os casais Nemoto e Saito eram os velhinhos mais velhinhos e mais vigorosos e mais simpáticos e mais ternos que já conheci... Lembro de seus movimentos lentos e seguros, de suas mãos de avós, cumprimentando, acenando, afagando... Quanta história, quanta riqueza...


Acho que naquele tempo todos eram sorridentes: só consigo lembrar deles assim, com um sorriso no rosto. Até a lembrança do sr. Abe, que não falava português e cuja feição sempre me remeteu ao sr. Makiguti, só me aparece sorrindo.

Minhas reverências a meus preciosos professores.

terça-feira, 4 de março de 2008


No dia 28 de fevereiro minha mãe completou 81 anos de idade. Nesse mesmo dia, em 1969, nos convertemos ao budismo Nitiren. Meu pai tinha 47 anos e minha mãe completava, naquele exato dia, 42 anos. Eu tinha quase 6 anos de idade. E lá se foram 39 anos.

Não me lembro de quase nada daquele dia.

Me recordo, daquela época, de meus pais sentados diante do Gohonzon, para o gongyo, e eu e meu irmão atrás, morrendo de rir, achando graça de tudo. Também me recordo de que sentávamos em nossos carrinhos de brinquedo para recitar o daimoku. Acho que o meu era preto, com alguns detalhes em vermelho... talvez fosse um carro de polícia, sei lá.... Os meus pais à frente, nós sentados atrás, em nossos brinquedos.

Tínhamos um bar, e morávamos nos fundos. Rua José Bonifácio, no quarteirão da frente do Mercado Municipal, bem no meio do baixadão. Diante do bar, na esquina com a rua São Sebastião, ficava o açougue dos irmãos Oranges que, na época, era o maior da cidade. Atrás, do outro lado do quarteirão, a Avenida Jerônimo Gonçalves. A rodoviária ainda não era ali - ela ficava onde hoje é um posto do Corpo de Bombeiros.

Do lado direito do bar ficava a loja do Sr Elias. Ele falava, mas não tinha voz, porque tinha um furo bem no meio da garganta (o que, para uma criança, era motivo de muita fantasia). Só bem depois fui saber do que se tratava: traqueostomia. Do outro lado não me recordo, mas sei que tinha a loja do Sr Nadim, que foi meu padrinho de batismo (sim, fui batizado!). Acho que foi dele que ganhei meu primeiro brinquedo (não sei se estou misturando as memórias, mas era uma locomotiva de trem, com bolinhas coloridas na chaminé).

Atravessando a rua tinha o Cantinho da Música, que está lá até hoje, no mesmo lugar. A Radio Lar também está lá, mas mudou de lado da rua. Já, a Casa Spanó, que vendia artigos de caça e pesca, não existe mais.

Ali nasci e cresci, na baixada da cidade, nos fundos de um bar.

A casa onde morávamos não era bem uma casa (afinal, os fundos de um bar...). E, não sei como, cabíamos todos lá. Meu pai, minha mãe e 8 irmãos em um cômodo de quarto, sala e cozinha. O banheiro era externo, e era o mesmo que servia ao bar, no fim do corredor. O banho só podia ser tomado depois que acabava o movimento do bar, e o chuveiro só tinha água fria. Caso contrário, o banho tinha que ser de bacia, no chão da cozinha. Não tínhamos vizinhos. Nossa casa não tinha cara de casa, não tinha frente de casa, não tinha porta de casa, não tinha janelas de casa. Entrávamos e saímos pela porta do bar. O chão era de assoalho de madeira e tinha por baixo um porão, onde as coisas viviam caindo e, por consequência, ficavam perdidas para sempre. Na minha infância, aquele porão era habitado por seres estranhíssimos.

Hoje sabemos mas, na época, nem imaginávamos como éramos pobres.

Ainda moleque, uma de minhas diversões era subir no muro da loja ao lado e, de lá, ganhar os telhados das lojas de onde, eu e meu irmão, secretamente de nossos pais, explorávamos o mundo. Não sei quantas telhas quebramos até aprender a andar por cima delas. E não posso negar: era uma delícia.

A parte da frente do bar tinha um balcão com alguns bancos e umas poucas mesas. Atrás tinha um salão com mais mesas e era lá, naquele salão, que as reuniões começaram a ser realizadas. As mesas eram afastadas, as cadeiras do bar arrumadas e estava tudo pronto para mais uma animada reunião.

E foram muitos e muitos encontros. Quanta gente por lá passou, em busca de alento, de esperança, de ouvidos, de palavras. Lá, no bar da minha infância, onde tudo começou. Um lugar que muita gente ainda carrega na memória. E que outras, mesmo sem terem lá estado e mesmo sem o saber, também carregam.