quarta-feira, 20 de agosto de 2008

O que acontece só pode acontecer em havendo energia. Assim, por energia manifesta chamamos vida. À transformação da energia manifesta em energia latente, chamamos morte.

Energia vital é a que move a própria vida. Por isso mesmo é chamada de vital. É a força que existe por trás de toda manifestação fenomenológica. Em outras palavras, é a força por trás de tudo o que acontece – fenômeno - no mundo das coisas, no mundo perceptível, no mundo dos fenômenos.

Energia vital é outro nome para Estado de Buda. Se há vida, há, necessariamente, energia vital. Por isto podemos dizer que todos temos o Estado de Buda. Este, no entanto, pode estar desperto ou adormecido.

A energia vital pode estar funcionando a todo vapor, na sua plenitude, ou pode estar apenas com o mínimo de suas forças ativadas, funcionando somente com o necessário para manter uma pessoa viva, e nada mais.

Ocorre que a energia – ou a forma como ela se manifesta – pode ser trabalhada para favorecer nossos objetivos. Os esforços invisíveis se tornam visíveis na sua manifestação.

Há 3 momentos cruciais na questão da energia: o acúmulo, a concentração e a explosão.

Para um atleta, por exemplo, o acúmulo de energia seriam os esforços diuturnos, o que envolve não só os exercícios físicos mas também sua alimentação e até sua rotina diária. Num determinado momento, essa energia acumulada ao longo dos dias, dos meses, dos anos, deve ser concentrada num todo para, no momento exato, explodir. É o momento da prova decisiva. Nem antes, nem depois. É o que se passa com qualquer campeão olímpico.

Se não há energia acumulada, nem se pode falar em concentração; o atleta sequer se classifica para disputar a prova. Por outro lado, mesmo havendo energia acumulada, se o atleta falha na concentração, seu esforço de anos cai por água abaixo. É, talvez, o que faz a diferença entre estar ou não realmente preparado para a prova. Energia acumulada, concentração perfeita, e teremos a grande explosão: quebram-se barreiras, derrubam-se recordes, surge o grande campeão. E a diferença pode estar nos milésimos de segundos, nos poucos centímetros, no pequeno deslize.

Parece que o processo se aplica em todas as escalas, desde o Big Bang – que, resumidamente, explica o surgimento do universo como a grande explosão de uma concentração absurdamente enorme de energia – até um estudante se preparando para o vestibular ou para um outro exame. Ou qualquer outro evento, como uma pequena reunião de bloco, um grande encontro, uma festa de aniversário, o nascimento de uma criança, um jogo de futebol, escrever um livro, um poema, defender uma tese acadêmica, enfrentar uma doença. E se aplica, também, tanto a nível individual, como coletivo (afinal, o esforço coletivo nada mais é do que a união dos esforços indivíduais).

Assim, sem acúmulo, não há concentração. Com energia acumulada, mas sem concentração adequada, a explosão pode se dar no momento ou no lugar errados, ou de forma inadequada.

Na recitação do daimoku, no esforço diário, na alimentação sadia, nos cuidados com a mente e com o corpo, nas relações sociais, estamos acumulando energia. Se, no momento em que a concentração se fizer necessária, haverá ou não energia suficiente para a explosão que se quer, é de cada um.

Há, ainda, um 4° momento importante, que é o da dispersão da energia. Acúmulo extraordinário, concentração excelente, explosão maravilhosa, e a dispersão pode ser eterna, infinita, ilimitada. Para usar o exemplo mais uma vez: o Big Bang - aliás, as pesquisas recentes dizem que o Big Bang ocorreu há quase 13,7 bilhões de anos e, desde então, o universo continua se expandindo veloz e indefinidamente, até não se sabe quando.

Tal é a força de determinadas explosões, que ficam marcadas para sempre, alcançando e influenciando vidas e gerações. A história do universo, do planeta e a da humanidade está recheada de exemplos.

Na história da Soka Gakkai, os dias 16 de março, 2 de abril, 3 de maio - e outras datas - são como pequenos Big Bangs.

Eu também tenho os meus pequenos Big Bangs.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

A jornada de Kamakura a Kyoto leva 12 dias.
Se viajar durante 11 dias e parar antes de completar o 12° dia,
como poderá admirar a lua da linda capital?
(carta a niike – nitiren daishonin)

Anos atrás li, num artigo do psicanalista Contardo Caligaris, sobre o princípio do tipping point.

Tipping point é um termo da sociologia. Diz respeito ao ponto em que um sistema estável se desequilibra. É a gota d’água, o ponto de ruptura, o ponto de desequilíbrio. É o momento em que o líquido transborda.

Não é preciso que algo espetacular aconteça. O ponto crítico pode se dar a partir de uma ocorrência banal, mas na esteira de uma série de outras ocorrências. Aí, finalmente, quando o cenário estiver pronto, um evento qualquer pode romper o equilíbrio do sistema.

O sociólogo Malcolm Gladwell expôs o princípio no livro O Ponto de Desequilíbrio: como pequenas coisas podem fazer uma grande diferença. Num artigo publicado no The New Yorker, em 1996, Gladwell deu como exemplo a garrafinha de ketchup: o parâmetro de inclinação da garrafa pode aumentar sensivelmente, sem que uma gota caía no prato. De repente, um aumento milimétrico da inclinação pode produzir um dilúvio inesperado de ketchup, completamente fora de proporção com o último gesto. O ponto onde isso acontece é o tipping point.

Um clássico artigo publicado em 1991 no American Journal of Sociology, por Jonathan Crane, mostra que, quando em uma zona urbana pobre o número de residentes profissionais ou trabalhadores qualificados de classe média cai abaixo de 5%, repentinamente dobram os números de adolescentes que abandonam a escola e o de adolescentes grávidas. Cinco por cento é o tipping point: entre 45% e 5% de moradores de certo sucesso, as percentagens de abandono escolar e gravidez variam de maneira pouco significativa. Abaixo de 5%, os adolescentes não acreditam mais nas regras do jogo: faltam-lhes imagens ideais.

Caligaris perguntava, em seu artigo, se a violência urbana no Brasil tinha chegado a um tipping point.

Se, de fato, há algo como um tipping point, poderia ser aplicado para o bem ou para o mal. Seria, talvez, como o centésimo macaco a lavar as batatas antes de comê-las. Talvez, ainda, uma linha invisível unindo as pessoas, perspassando as coisas. Sincronias.

Qual será o tipping point para se transformar uma sociedade ignorante, violenta e descuidada numa sociedade educada, pacífica e tranquila?

Por outro lado, se há um tipping point social, deve haver também um tipping point individual. Na orientação do presidente Ikeda, quando um certo limite crítico é atingido, tudo pode mudar de um só golpe. Pode ser que este princípio seja inerente a toda vida.

Haveria um tipping point intelectual? Um espiritual? Um financeiro?

A iluminação seria um tipping point?

Qual será o meu tipping point, o ponto a partir do qual posso mudar tudo, de um só golpe? Como não sei, é preciso então o esforço diário, na direção do ponto crítico, que pode estar ali na frente, ou um pouco mais adiante. É por isso que, às vezes, um a mais pode fazer a diferença: um encontro a mais, um minuto a mais, um esforço a mais, um sorriso a mais, uma palavra a mais, um incentivo a mais.

Ou o contrário: um minuto a menos, um esforço a menos, um sorriso a menos.

E tudo pode desabar.

Ou se erguer, definitivamente.