quarta-feira, 27 de outubro de 2010

O crescimento de qualquer movimento social pressupõe a ação simultânea de 2 forças: uma de expansão e outra de manutenção e/ou consolidação. Expandir sem consolidar é fútil; manter sem expandir é estagnar.

O movimento social que na Soka Gakkai chamamos kossen-rufu implica a ação concomitante dessas 2 forças: o chakubuku (expansão) e a criação de valores (consolidação). É o trabalho constante de aliar quantidade e qualidade.

A expansão numérica de um grupo está, evidentemente, relacionada ao aumento do número de seus componentes. E o aumento somente pode ocorrer se, ao mesmo tempo em que novos membros ingressam no grupo, os atuais permanecem dentro dele. Se a cada um que chega, outro se afasta, expansão não há. Se a cada um que chega, dois se vão, trata-se então de encolhimento. A aritmética é simples e elementar.

Se fixarmos em gráfico o número (mensal, bimestral, trimestral, anual ou qualquer outro período) de membros/famílias por, digamos, 10, 15 ou 20 anos, poderemos traçar uma reveladora linha evolutiva.

Se inserirmos em outro gráfico o número de novos membros/famílias que ingressaram na associação pelo mesmo período de tempo teríamos, então, em meras 2 linhas, dados mais reveladores ainda.

Essas 2 linhas, analisadas em conjunto, podem indicar o que chamamos tendência. Com elas podemos visualizar a que tende o movimento: a crescer? a permanecer estável? a descrescer?

Visualizar a linha evolutiva e identificar as tendências é um exercício interessante e ótimo ponto de partida de qualquer planejamento, seja em termos individuais, seja em questões organizacionais. Podemos estudar e planejar ações para, ao mesmo tempo em que reforçamos as tendências positivas, deter ou reverter as negativas. Certamente, um bom primeiro passo para uma expansão concreta e real.

É fato que, no decorrer dos anos, milhares de pessoas se converteram ao budismo Nitiren e passaram a participar das atividades da Soka Gakkai. É realidade, também, que outras milhares de pessoas desistiram da prática do budismo e das atividades associativas. O que acontece entre essas 2 pontas, a de ingresso e a de saída? É preciso pensar a respeito e, para tanto, é preciso investigar, perquirir, conhecer, ter informações, dados objetivos, coisa que, por si só, é trabalhosa. Além disso, é preciso mais: de posse de tais informações, saber reuni-las adequadamente, analisar de forma isenta, intelectiva e desprovida de suposições. E, mais do que tudo, é preciso coragem, porque sem ela não há como reconhecer a realidade dos fatos e, depois, saber o que fazer com ela.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

11 de setembro de 2001. O dia da insensatez. Dia que, de fato, marcou o início do século XXI: o maior ataque terrorista da história deixa o mundo perplexo e em estado de choque.

E assim teve início o século XXI: com a marca da barbárie, deixando para trás um século não menos terrível.

Num livro de repercussão, chamado “Era dos Extremos”, o historiador inglês Eric Hobsbawm qualificou o século XX como breve, curto. Segundo ele, o século passado começou e terminou simbolicamente no mesmo lugar: em Sarajevo, quando, em 1914 teve início a Primeira Guerra Mundial e onde, em 1991, começou a chamada “guerra sem fim” ou “guerra sem regras”.

Para Hobsbawm, o curto século XX superou em tudo o que foi registrado até hoje em matéria de violência, com perto de 200 milhões de vítimas de massacres de todo tipo. De fato, do ponto de vista das matrizes históricas e mentais – e não do calendário – o século 20 foi mais curto do que os outros, tendo se iniciado com a Primeira Guerra Mundial, e se encerrado com o esfacelamento do império soviético. Entre essas 2 pontas, a humanidade conheceu o que, sob muitos aspectos, foi o período mais negro de sua história, com as mais sangrentas guerras.

O século 20 será lembrado também por uma mudança espiritual de grande impacto em todos os aspectos da vida humana. Pensadores, escritores e artistas fizeram evaporar certezas que levaram eras inteiras para se solidificar. Coisas concretas como matéria e energia, tempo e distância, se tornaram relativas. Conceitos abstratos como certo e errado, justo e injusto, também foram relativizados. Isso trouxe consequências de alcance extraordinário, e desdobramentos ainda inimagináveis.

Na verdade, desde o século 19 o mundo já vinha convivendo com a destruição das certezas. Darwin já tinha feito o maior dos ataques, à teoria da criação divina. Karl Marx propôs que os fatos da economia constituíam um motor com potência tal que era capaz de determinar o que os homens pensavam, sentiam e desejavam, tirando, de certa forma, o destino humano das mãos dos indivíduos e entregando-o às engrenagens da história.

Na virada do século 19, Freud inovou a forma de pensar a responsabilidade pessoal pelas deficiências humanas. Para ele, o homem não é mau, violento, egoísta ou invejoso exclusivamente por sua própria escolha, mas é levado a esses estados por forças além de seu controle.

E, com Einstein, o mundo ficou sabendo que o tempo podia transcorrer mais depressa ou mais devagar. E que o espaço podia se curvar. O grande marco da relativização como um processo do século 20 pode ser atribuído à Albert Einstein e sua Teoria da Relatividade, de 1905, comprovada empiricamente logo depois da I Guerra Mundial. Ainda hoje, sua teoria é provada cientificamente a cada dia.

A seleção natural, a revolução de Einstein, o modo marxista de ver o mundo e a análise freudiana combinaram-se para, cada uma à sua maneira, subverter a idéia de que o mundo era um lugar simples, regulado por valores universais e eternos.

Aquele homem do limiar do século 20 e este que agora se encontra ainda no início do novo século são criaturas separadas por incríveis transformações. O primeiro acreditava em verdades absolutas, em códigos morais. O segundo olha tudo isso sob o prisma da dúvida e da incerteza.

Há algo errado com o mundo, que prioriza o desempenho econômico e o poder acima de tudo. Há um crescente reconhecimento de que as pessoas devem ser a prioridade e que o “crescimento humano” é mais importante do que o econômico. Começamos a compreender que em nossas sociedades modernas, em que não vivemos sem celulares, internet e celebridades, e em que somos orientados para o conhecimento com uma explosão de informações, há uma urgente necessidade por uma explosão equivalente de sabedoria para adequar o uso desse conhecimento.

Já adentramos o século 21, e devemos nos perguntar que tipo de século queremos que ele seja afinal. Embora o fim da Guerra Fria tenha derrubado o muro que dividia o Oriente e o Ocidente, a humanidade está longe de esboçar um quadro confiável de paz. As lutas raciais e os conflitos regionais são ininterruptos, o ambiente do planeta continua a se deteriorar, refugiados fogem aos montes do sofrimento e da opressão. A moral e a ética continuam sendo continuamente atacadas e feridas.

A par disso vivemos, cada um de nós, nossos próprios dramas pessoais, anseios, doenças, desamores, inseguranças, tudo somando-se e misturando-se com as das demais pessoas. Estamos, enfim, diante de uma importante encruzilhada, sendo colocados à prova, tanto individual - como pessoa humana - quanto coletivamente - como civilização humana.

É preciso, pois, que decidamos e nos posicionemos. É preciso que respondamos à questão: para onde, afinal, estamos indo?

Tempos de crise. Mais do que nunca, filosofia. E sabedoria. E coragem.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Dentre as muitas histórias que ouvi do sr Abe naquela tarde de sábado em Mombuca, uma ficou especialmente gravada em minha mente.

Ele contou a passagem de quando o sr Eiichi Sago – o primeiro líder da DMJ no Brasil, hoje vice-presidente da BSGI, radicado no Rio de Janeiro - então um jovem, lá esteve em atividades. Na ocasião, levou filmes com orientações e atividades da Soka Gakkai do Japão, e o único lugar com espaço e acomodações adequadas onde poderiam ser exibidos os filmes era a sede comunitária da colônia.

Neste local a Soka Gakkai não entra! – essas foram as palavras que ouviram dos responsáveis do local, ao serem expulsos do prédio, quando lá estiveram para solicitar a cessão do salão social da sede.

Imediatamente imaginei a cena e os sentimentos de humilhação e frustração que deviam ter penetrado no coração de cada um deles.

Anos depois, em 1999, planejávamos realizar um novo show musical em Ribeirão Preto. Cinco anos haviam se passado do histórico show musical de 1994, realizado no Teatro de Arena da cidade. Não sei por quais motivos, o novo show de 1999, cuja realização já tinha sido aprovada, foi cancelado, sem que nossa opinião tivesse sido pedida, e sem nenhuma explicação convincente.

Claro, não ficamos contentes com o acontecido. Afinal, estávamos animados, planejando e preparando o evento, que fazia parte de um plano maior. Insatisfeitos, em conversas entre a liderança da DJ na época, decidimos então que realizaríamos algo no lugar do show cancelado. Só não sabíamos ainda o que. Nossa decisão parece ter tido força para movimentar outras forças e, quando vimos, tínhamos diante de nós a oportunidade de comemorar os 35 anos da BSGI em Ribeirão Preto no exato local em que ela tinha nascido: em Guatapará, no núcleo colonial de Mombuca.

Lembrei-me daquela frase: neste local a Soka Gakkai não entra!

E realizamos com grande sucesso uma atividade extraordinária, com centenas de pessoas se locomovendo de todas as localidades da região para Mombuca, em muitos carros e ônibus.

O sentimento era de agradecimento aos pioneiros. Era a volta para casa.


Dentre os convidados especiais, o presidente da associação local - a mesma da qual nossos veteranos tinham sido expulsos – que, em suas palavras, não poupou agradecimentos e elogios.

E um gostinho especial de vitória: sim, naquele local a Soka Gakkai seria sempre bem recebida!

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Sempre dei muita importância ao registro dos acontecimentos e dos dados. Dados e números são importantes para que possamos entender o que e como as coisas acontecem, para melhorar, visualizar e até mesmo objetivar e planejar com segurança o que ainda vem pela frente.

O avanço se dá quando se vai adiante do ponto que se atingiu até então. É desnecessário ter que percorrer caminhos cometendo os mesmos equívocos ou sacrifícios de quem já passou por ali. É marcha adiante, dali para frente. Por isso, é importante conhecer o que já foi. Aprender com a experiência.

Quem tem informações precisas e sabe analisar dados, quase pode adivinhar o que vai acontecer. Embora possa não parecer, é simples assim. O que não quer dizer que não seja trabalhoso.

Já tive a pretensão de criar algo que pudesse servir como fonte de consulta, informação e inspiração. Algo como um repositório que reunisse fotos, áudios, vídeos, relatórios e outras formas que pudessem servir de arquivo. Dispersas, as informações não tem nenhuma serventia.

Muitas fotos foram tiradas e reveladas, com a esperança de que pudessem ser convenientemente cuidadas. Não sei o fim que tiveram as centenas, talvez milhares de fotos que contavam boa parte de nossa história. As muitas fitas de vídeo-cassete gravadas devem estar totalmente inutilizadas.

Mas a grande perda são as pessoas que viveram a história com suas próprias vidas e que, por falta de interesse ou de cuidado de quem por aqui ficou, se despediram levando junto vivências que nunca mais poderão ser conhecidas ou resgatadas. Pioneiros e veteranos, cujos nomes não é necessário citar, cuja memória não está mais entre nós.

Um dia, anos atrás, quis saber um pouco, diretamente da fonte original. Fui até Mombuca, ouvir e aprender com o sr Takeo Abe, de quem soube histórias extraordinárias de coragem e dedicação, dos primeirissimos primeiros passos dados por aqueles que se puseram a desbravar um caminho, há quase 45 anos.

Ele contou, dentre outras coisas que, em Mombuca, eram apenas 3 ou 4 as famílias que praticavam o budismo Nitiren. Os demais imigrantes da colônia não tinham interesse em ouvi-los, muito pelo contrário. Resolveram, então, sair da colônia, em direção à cidade. Para irem até a estrada a fim de pegar o ônibus, tinham que passar pelas casas das pessoas, que antipatizavam com eles, xingavam e jogavam coisas sujas em suas roupas. Por isso levavam, em bolsas, roupa limpa para se trocarem, quando estivessem mais próximos da estrada.

Geralmente tinham apenas o dinheiro da passagem de ida. Para a volta, levavam produtos que pudessem vender, a fim de comprar a passagem de volta. Nenhum deles falava português, e as primeiras pessoas que procuraram eram outros japoneses que conseguiam encontrar na cidade.

Uma parcela da história, contada assim, rápida e resumidamente, logicamente não vai nunca poder transmitir um mínimo do que foi vivenciar aquilo.

Mesmo para quem pôde ouvir diretamente de quem tinha protagonizado aqueles momentos, é difícil realmente saber a dimensão de tudo aquilo. Mas quando você vê um velho disco de vinil, onde estão gravadas orientações do presidente Toda, em sua própria voz, ou segura um antigo certificado de nomeação assinado pelo presidente Ikeda, você tem uma boa ideia de quanta história está ali, na sua frente. E o brilho do olhar, a força e a vibração da voz, o orgulho com que ele contava tudo aquilo já era, em si, uma riquíssima, inesquecível e excepcional lição de vida, de onde é possível extrair um aprendizado impar que, de alguma forma, também passa a fazer parte de você.

sábado, 24 de abril de 2010

O mais antigo núcleo do Taiyo Ongakutai do interior da BSGI é o de Ribeirão Preto – tem 36 anos, é quase um quarentinha.

Não sei de quem foi a iniciativa, como foram os primeiros passos, as primeiras discussões... Quem, afinal, deu o primeiro passo? Ninguém era músico ou entendia de música. Mas que aquela gente era atrevida, isso era. A história do grupo - aliás, como tantas outras - merece registro e, quem sabe, virar um doc.

Eu era ainda criança, quase adolescente. Me lembro de um rapaz, de sobrenome Suzuki (que foi o primeiro responsável de comunidade da DMJ em Ribeirão Preto). Havia outras pessoas que também estavam na empreitada: Anselmo, Eduardo, Wanderley. Algumas fisionomias ainda me são visíveis, mas escapam-me os nomes. Talvez tudo fosse pouco mais que uma brincadeira e eles nem imaginassem no que aquilo poderia se desdobrar mas, certamente, eles têm muitas histórias para contar.

Naquele tempo, nos anos 70, não havia critérios ou procedimentos definidos para a fundação de um grupo horizontal ou de treinamento. Mas a seriedade era sempre muito grande, e sabia-se que, com certeza, o trabalho seria árduo, até que o grupo fosse reconhecido como tal, e pudesse ser chamado por um nome oficial.

As grandes reuniões – grandes para a época, com 100 ou pouco mais participantes – passaram a contar com a animação daquele pessoal com instrumentos musicais. A criançada fazia algazarra durante a reunião toda mas, na hora das canções, todo mundo se aproximava para ouvir. Não importava que música era, e nem se eles sabiam tocar. O que interessava era o barulho daqueles instrumentos que, crianças, nunca tínhamos oportunidade de ver ou ouvir ao vivo.

E, claro, ficávamos sempre rodeando para, num descuido, dar uma mexidinha em alguma coisa.

Tanto rodeei que, numa oportunidade, quando faltou alguém, me deixaram participar, tocando prato. Em outras ocasiões, também dei umas batidas no surdo. E eu queria mesmo era tocar a caixinha. Mas essa tinha titular. E eu ficava torcendo para que, em alguma reunião, ele faltasse, e não tivesse mais ninguém para substitui-lo.

O grupo, na verdade, não era bem uma banda. Tinha um ou dois instrumentos de sopro: um trompete (que na época todo mundo chamava de piston) e um clarinete. O resto era barulho: uma caixinha, um surdo e um prato. E era tudo.

O grupo foi crescendo e se aprimorando e, num determinado momento, já podia ser chamado de Ongakutai. Tinha, então, uma estrutura mínima, com responsável estabelecido oficialmente e o pessoal procurando, de alguma forma, aprimoramento técnico.

Muitos foram os percalços, tendo chegado quase a desaparecer, seja pelas grandes dificuldades, seja por falta de participantes. Graças à paixão e empenho de alguns, acabou por se transformar num grupo extraordinário.

Os anos se passaram, e o desafio de tocar e se apresentar dignamente nas atividades internas foi plenamente alcançado. Mas sair às ruas, representando a BSGI, era um objetivo mais distante. Como não tínhamos nenhuma experiência do tipo, aproveitávamos as oportunidades para assistir e observar como as outras bandas procediam em suas apresentações, tentando assim nos preparar para quando acontecesse.

E um dia aconteceu. Maio de 1988, na cidade de Monte Alto. Estreamos nas ruas de uma cidade. Fomos e demos o recado, com pouca técnica, mas com uma boa dose de coragem. Dois anos depois, junho de 1990, ganhamos as ruas de Ribeirão Preto, finalmente.

Eu era um dos líderes da DMJ e, num determinado momento, me convenci de que o grupo tinha que ter algo assim como uma bandeira que seguisse na frente, abrindo o caminho e anunciando o avanço daqueles jovens bandeirantes. Eu não sabia e nem tinha ideia de onde eram feitas tais coisas –tempos sem Google - mas sabia que, certamente, custavam caro. Baseado em fotos de revistas e do que já tinha visto, coloquei-me a confeccionar um estandarte e flâmulas para os surdos. Ainda me lembro e me vejo naquele dia, andando pelas lojas do centro da cidade, procurando tecidos e materiais que servissem. Eu não sabia nomes de tecidos. Escolhi pelo caimento, textura e cores.

O tecido azul escuro do estandarte – um tipo de feltro - foi colado sobre um suporte de compensado. As letras e o desenho estilizado da asa-símbolo do grupo foram recortados em feltro branco e vermelho, e colados com cola-pano. Atrás, velcro para poder encaixar um pedaço de cano, que pudesse ser segurado por 2 pessoas, uma de cada lado.

As flâmulas – brancas com franjas douradas - também levaram muita cola-pano. As franjas douradas foram costuradas por senhoras da DF. O tecido acetinado, cortado na largura certa para cobrir o surdo, amarrado no meio, na parte de cima do instrumento, e caindo pela frente. Foram feitas 4 flâmulas.

Tudo muito artesanal. Mas até que ficou bonito. Não sei se ainda existem - o estandarte e as flâmulas.

Nunca fui membro oficial do grupo. Mas a partir de então, sempre que a banda se apresentava, eu ia junto, bem à frente, desfilando na forma daquele estandarte azul e das flâmulas brancas.