sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Abril de 1999.

Iniciávamos os preparativos para participar de um grande encontro nacional da Divisão dos Jovens, programado para outubro, no Centro Cultural Campestre da BSGI.

A princípio seria realizado um festival, transformado depois na Convenção Cultural dos Jovens da BSGI.

A então RM Ribeirão Preto ficou com 40 vagas para participação direta, como figurantes – 20 da DMJ e 20 da DFJ. Além disso, nos grupos horizontais, mais 3 participantes do Gajokai, 7 do Sokahan, 20 do Taiyo Ongakutai, 2 do Grupo Cerejeira e 6 da Nova Era Kotekitai, num total de 78 pessoas, distribuídas de tal forma que todas as comunidades/localidades estivessem representadas.

Releio a lista de 78 nomes, lembrando de cada fisionomia. Alguns não vejo há muito tempo. Como estarão eles? Será que ainda se lembram? Sei que alguns nunca mais tornarei a ver.

Nossa reunião de partida foi no dia 17 de abril, na antiga sede regional. Compartilhei com os presentes as lembranças da minha participação no histórico festival de 1984. Fizemos um pacto, entre os participantes, de que nenhum de nós iria: 1. falhar no gongyo e daimoku diários; 2. sofrer acidentes; 3. adoecer. A partir daquele dia nos encontrávamos aos domingos na sede regional, sempre às 18 horas, e juntos orávamos pela vitória de cada um e pelo sucesso da convenção.

Duas semanas depois, dia 2 de maio, foi a reunião geral de partida, reunindo representantes de todo o Brasil no Centro Cultural Campestre. De Ribeirão Preto e localidades foi um grande e ruidoso grupo, vestidos com uma camiseta que preparamos para o evento, com os dizeres BRASIL PRIMAVERA 99 na parte da frente (saudando e antecipando o encontro em outubro) e, atrás, RIBEIRÃO PRETO. Naquele dia fizemos muito barulho.

De abril a outubro vários ensaios e atividades.

No meio do ano, no dia 06 de junho, um show musical comemorando o jubileu de prata do mais velho núcleo do Taiyo Ongakutai do interior da BSGI: o de Ribeirão Preto.

05 de julho. Gongyo matinal com um amigo. Durante 100 dias acordei mais cedo do que de costume e fui à sua casa realizar a oração da manhã, antes de sairmos para o trabalho. Afinal, havíamos feito um pacto de que não falharíamos no gongyo diário.

Agosto, setembro...

16 de outubro, sábado. Ensaio geral e preparativos finais no Centro Cultural Campestre da BSGI. Durante o dia dialoguei por longo tempo com Sadao Kato, o então coordenador da DJ da BSGI.

[Sadao foi meu danshibutyo e, depois, seinembutyo. Ele foi um líder em quem confiei totalmente, sem ressalvas. Tipo raro de pessoa, Sadao estava muito acima de qualquer suspeita. A conversa com ele era sempre olho-no-olho, coisa que nem todo mundo podia fazer.

Um dia, depois dele ter enfrentado e vencido um gravíssimo problema de saúde, já em franca recuperação, dei-lhe um cartão com uma famosa frase de Bertold Brecht: Existem homens que lutam um dia e são bons; existem outros que lutam um ano e são melhores; existem aqueles que lutam muito mais e são muito bons; porém, existem os que lutam toda a vida. Esses são imprescindíveis.

No verso do cartão, escrevi: Nobres são as pessoas, e nobre é a história que elas criam. Obrigado, Sadao. Obrigado por sobreviver. Poucas são minhas realizações, mas ter lutado com você é um dos grandes orgulhos da minha vida. Vençamos, sempre.]

A programação da convenção incluía, naturalmente, suas palavras como coordenador da DJ da BSGI. Ele tinha dito que era seu desejo declamar o famoso poema do encontro do jovem Daisaku Ikeda com Jossei Toda. Disse que sempre quis fazê-lo e a ocasião não poderia ser mais propícia.

A seu pedido auxiliei-o na preparação de seu discurso. Não nos lembrávamos do poema integralmente. Tampouco havia lá material em que pudéssemos pesquisar, nem podíamos ainda recorrer à internet. O socorro veio de um dos grandes colaboradores que tive na DMJ, de quem eu já conhecia a memória prodigiosa: meu amigo Wilson, grande veterano do Sokahan, que recitou o poema sem pestanejar.

Era quase meia noite quando finalizamos tudo.

17 de outubro de 1999, domingo.

A Convenção Cultural dos Jovens da BSGI tem início sob chuva. Nas palavras do sr Eduardo Taguchi, eram os deuses derramando lágrimas de alegria pela reunião de 10.000 bodhisattvas.

Desenrola-se um maravilhoso show musical, com vibrantes e maravilhosas apresentações.

O emocionante juramento dos discípulos.

Seguem-se os cumprimentos dos dirigentes e, finalizando, as palavras do Sadao.

Até hoje lamento o fato de, no momento em que as folhas de papel escaparam de suas mãos, mesmo estando perto e bem atrás dele, não ter tido a presença de espírito de recolher os papéis e, rapidamente, recolocá-los em ordem em suas mãos. Mas ali era o Sadao e, como quem é rei nunca perde a majestade, o papel que ficou em suas mãos foi exatamente a folha com o poema, que foi lido então para 10.000 jovens, ecoando em meio ao Centro Cultural Campestre pela voz vinda direta do coração de um leão.


Ó viajante!
De onde vens
e para onde irás?

A lua desce
no caos da madrugada,
mas vou andando,
antes do sol nascer,
à procura de luz.

No desejo de varrer
as trevas de minha alma,
procuro a grande árvore
que nunca se abalou
na fúria da tempestade.

Nesse encontro ideal,
sou eu quem surge da terra.

Primavera de 1999.
O nosso “Festival da Chuva”.
Quem estava lá ainda deve se lembrar.

terça-feira, 5 de maio de 2009

Não, não há um caminho novo.
O que há de novo é o jeito de caminhar.
Thiago de Melo

Houve uma época em que 2001 era um marco distante. Eu era adolescente quando iniciei minha participação nas atividades da Soka Gakkai, no final dos anos 70 e, desde sempre, ouvia falar do dia 3 de maio de 2001. Estávamos ainda no século XX, faltando muito para o século XXI que, enfim, chegou - e está aí, ao nosso redor, a todo vapor.

Vieram os anos 80, 90... e quando 3 de maio de 2001 chegou, eu era consultor da DMJ da então RM Ribeirão Preto. Realizamos uma reunião comemorativa da DJ no auditório da Escola Auxiliadora, palco de muitas realizações especiais.

Naquele dia, em minhas palavras rendi homenagens a 3 jovens companheiros de jornada que não estavam mais conosco: José Welitton de Carvalho Pereira, Renata Araujo e Verônica Fantini.

Welitton faleceu num acidente de moto na cidade de Barretos, onde morava, no dia 16/10/89. Nos preparávamos para realizar o grande festival de 1990. Ele era membro do Taiyo Ongakutai, onde tocava caixinha. Eu atuava como responsável de área. Carreguei-o comigo numa promessa particular de que receberíamos juntos o dia 3 de maio de 2001. Me fiz acompanhar de sua foto em todas as atividades de que participei a partir de então. E, conforme tinha prometido a ele, juntos recebemos o dia 3 de maio de 2001.

Pequenina como era, a gente quase confundia a Renatinha com as crianças do Pompom, de quem ela cuidava na Nova Era Kotekitai. Só não dava para confundir a grandeza e dignidade com que viveu e lidou com suas circunstâncias e dificuldades.

A Verônica era uma princesinha. Talvez ela tenha partido tão cedo porque, tão cheia era de vida que a vida não coube dentro dela. Em sua despedida, presenciei uma das cenas que mais me emocionaram e que até hoje vibra em mim: suas amigas declamando, em lágrimas, o poema “Anjos da Paz”. Anjos se despedindo de anjo.

Naquele 3 de maio de 2001, outra promessa, feita uma década antes, foi cumprida: um reencontro da vitória. No dia 4 de fevereiro de 1990 um grupo especial de pessoas marcou um reencontro para daí a 10 anos. Era o “Grupo da Vitória do Século XXI”. O grupo tinha 3 diretrizes: a primeira era que, no curso dos 10 anos seguintes continuaríamos na prática do budismo; a segunda, que estaríamos nos exercitando no caminho de mestre-discípulo; e a terceira era que nos protegeríamos como companheiros. O reencontro foi celebrado com um almoço. Alguns faltaram, mas a maioria estava lá: nos olhando nos olhos, nos abraçando, orgulhosos de termos sidos capazes de, cada um com seus sabores e dissabores, viver e sobreviver, e chegar tão longe no campo de batalha da vida diária.

Outro reencontro se deu também, este de 5 anos: o dos 10 participantes da I Conferência dos Estudantes Universitários, ocorrido em Brasília, em 1996. Era o “Grupo JK 2001”.

Volto os olhos para trás. Com saudades revejo todos, um a um.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

As 3 noções centrais do budismo são a interdependência, a vacuidade e a impermanência.

A interdependência diz que nenhuma coisa pode existir em si, tudo está vinculado e conectado a todas as outras coisas.

A vacuidade é consequência direta da interdependência; não é o nada, mas ausência de existência própria.

E, segundo a impermanência, tudo no universo muda, se move e tem uma história, tudo evolui, tudo é impermanente.

A ciência se encontra completamente com esses 3 conceitos.

A mecânica quântica, uma das teorias subjacentes à física moderna, mostra que duas partículas, uma vez que interagiram juntas, conservam sua memória: mesmo que uma delas esteja agora em Andrômeda, a 2 milhões de anos-luz, e que a outra esteja aqui, se eu perturbar uma, a outra o sabe instantaneamente, sem nenhuma transmissão de informação. A realidade não é localizada e fragmentada, e sim holística e global. Isto é interdependência. Talvez possa explicar como o sentimento de uma pessoa é capaz de causar algum tipo de impacto em outra, mesmo que estejam separadas no tempo e no espaço.

A mecânica quântica diz também que as partículas que compõem um objeto qualquer – uma mesa, por exemplo – quando não são observadas existem sob a forma de ondas. Somente quando são observadas tornam-se partículas. É ao mesmo tempo, portanto, onda e partícula. O que quer dizer que as partículas não têm realidade intrínseca. Eis a vacuidade. Existência e não-existência.

A astrofísica constatou que tudo no universo muda, se move e tem uma história. O universo teve um início, tem um presente e terá um futuro. As estrelas são impermanentes: elas nascem, vivem sua vida e morrem, não na escala de tempo de uma vida humana de 100 anos, mas em milhares, até mesmo bilhões de anos. Tudo se move. Um objeto imóvel está, na verdade, cheio de elétrons que dançam e rodopiam, embora isso não possa ser observado a olho nu. Mesmo o espaço que nos rodeia está cheio de bilhões de partículas virtuais, ou seja, de partículas fantasmáticas que aparecem e desaparecem em ciclos de vida e de morte de frações de segundo. Tudo evolui. Tudo é impermanente.


Texto adaptado do livro Trinh Xuan Thuan – O agrimensor do cosmo,
da série Nomes de Deuses (Editora Unesp)

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

A religião do futuro será cósmica, trascendendo a idéia de um Deus existindo em pessoa e nascida da experiência de todas as coisas, naturais e espirituais. Se existe uma religião que pode estar de acordo com os imperativos da ciência moderna, é o budismo.

Albert Einstein

Das quatro grandes religiões do mundo, três são monoteístas, se baseiam na crença em um único grande e poderoso Deus: o judaísmo, o cristianismo e o islamismo.

O budismo difere das demais linhas religiosas exatamente em seu ponto central, pois não está fundada na crença em Deus.

O budismo parte de uma experiência humana e pessoal, e não de uma revelação divina ou mística, e desse princípio decorre toda a linha de raciocínio de sua doutrina. Daí, talvez, dizerem que os budistas são ateus (muito embora nem todos admitam que, no final das contas, a crença mística em Deus – como de resto, todas as crenças – é, na verdade, fruto da mente humana).

O budismo surgiu há quase 2500 anos (0u 3000, dependendo da fonte), com Sakyamuni.

O sufixo “ismo”, de origem grega, é usado para ampliar o alcance de outra palavra. Quando falamos em evolucionismo, por exemplo, estamos nos referindo às idéias, ao raciocínio, ao sistema que fundamenta uma linha de pensamento científico – no caso, a teoria da evolução.

Ao acrescentar o sufixo à palavra buda – budismo – estamos falando da filosofia, da doutrina, dos ensinamentos do buda.

O sufixo “ista”, por sua vez, serve para qualificar uma pessoa, indicando-a como seguidora de um determinado sistema: comunista, marxista, fascista etc. Um budista é, portanto, um seguidor ou praticante dos ensinos do buda.

O conceito de Buda não é equivalente ao de Deus. “Buda” é um título dado a alguém como Rei, Duque, Mestre etc. “Buda”, no caso, é o título que se dá a uma pessoa que, por si próprio, atingiu a iluminação.

Budismo é, portanto, o ensino do Buda: é aquele que se iluminou ensinando outros a também atingir a iluminação (o que vem a ser iluminação é assunto para outras postagens).

Sidharta Gautama foi a primeira pessoa amplamente reconhecida como Buda. Nasceu príncipe, filho de reis, e pertencia a um clã chamado Sakya. Após atingir a iluminação foi chamado Sakyamuni (o sábio dos Sakya). Assim, ganhou o título Buda e ficou famoso como Buda Sakyamuni.

Depois de atingir a iluminação, Sakyamuni procurou ensinar o que havia aprendido, o que fez por quase 50 anos. O conjunto do que ensinou é o que historicamente se chama budismo. O mais correto seria chamar seus ensinos de budismo Sakyamuni.

Sakyamuni, na verdade, não foi o 1° buda, tampouco o único. Historicamente é, sim, o 1° buda conhecido e, portanto, é considerado o fundador do budismo. Mas, antes e depois dele, existiram outros budas, ou seja, outras pessoas também atingiram o mesmo estágio de vida e iluminação. A diferença talvez esteja no que cada um fez a partir de então.

Sakyamuni tornou concreta, com sua história e ensinamento, a possibilidade da iluminação do homem, e fez de sua própria iluminação uma saga de alcance extraordinário, no tempo e no espaço, que se propagou por séculos e se estendeu por todo o mundo, influenciando tudo o que veio depois, em todas as áreas do conhecimento e do comportamento humano.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

A 1ª visita do presidente Ikeda ao Brasil foi em outubro de 1960.

A 2ª visita se deu após quase 6 anos, em março de 1966.

Depois, um grande hiato de quase 20 anos, durante o qual, principalmente por razões políticas – tempos de ditadura militar - o presidente Ikeda não teve permissão para adentrar no país.

Os mais veteranos devem se lembrar ainda da grande tristeza de 1974, quando um grande festival foi realizado e a cadeira do principal convidado estava vazia (ou melhor, na impossibilidade de sua presença, em seu lugar foi simbolicamente colocada uma foto) porque, às portas do país, seu visto de entrada foi negado.

Por longos 18 anos a BSGI carregou a frustração de não ter seu desejo realizado.

Assim foi que, para que a desejada vinda pudesse realmente se concretizar, a BSGI procurou se cercar também de outras garantias a seu alcance. Acredito que foi em meio a essa circunstância que acabou por acontecer a aproximação com um político, na época deputado federal, visando estreitar e possibilitar o acesso da BSGI ao governo de então.

Também em meio aos preparativos para o grande festival de 1984, no calor dos acontecimentos, houve a nomeação de um novo danshibutyo. Ao que parece, o político, por alguns motivos, se desgostou com o então coordenador da DMJ da BSGI e quis sua substituição.

Esta, na verdade, não é uma versão oficial. É somente a versão que correu em meio à divisão, e nem sei se é verdade. Mas foi mais um (forte) fato que, na época, fortaleceu a DMJ e aumentou a motivação de seus membros: responder à manobra do político unindo a divisão em torno de seus danshibutyos.

E a 3ª visita finalmente aconteceu em 1984, e o resto é história.

O tempo seguiu seu curso. O político há tempos desapareceu da cena nacional e nem importa mais saber seu nome. Hoje, aquele ex-danshibutyo e o novo responsável que o substituiu são, respectivamente, o presidente e o 1° vice-presidente da BSGI: Julio Kosaka e Naoto Yoshikawa.

E assim é que, 25 anos depois, a roda completou seu giro.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Fevereiro de 1984.

As semanas se passaram rapidamente e agora, depois de meses de preparativos, era questão de dias.

Eu e meus companheiros de Ribeirão Preto éramos os únicos membros do interior participando do esquema do seiri e, conforme combinado, permanecemos em São Paulo por 10 dias seguidos.

Ficamos hospedados na pensão do sr. Komatsu, na rua Barão de Iguape, bairro da Liberdade. Era onde meu irmão morava na época em que estudou na faculdade de engenharia da USP.

A pensão era... bem, era uma pensão... acho que quem nunca entrou numa pensão não vai conseguir imaginar como é... posso dizer que não é o que se pode chamar de um lugar elegante, bonito e confortável. Mas era o que, na época, estava ao nosso alcance. Lá, na sua pensão, o sr. Komatsu nos recebeu gentil e graciosamente. Dividimos beliches num quarto meio escuro. Me lembro de tudo, desde o misto de coragem e desamparo até o cheiro meio úmido. Interessante como as sensações retornam e invadem os sentidos novamente.

Fui designado para fazer parte da recepção do Grupo Sakura (grupo que veio do Japão para participar do festival), escalado para o plantão noturno em um dos hotéis em que o grupo ficou hospedado. Meu plantão se iniciava às 18:00 ou 18:30 horas. Eu ficava na central do hotel durante a noite, e saía no dia seguinte, de manhã. Daí voltava à pensão, para descansar. Às vezes ia andar à toa pela cidade, sozinho. Para almoço, comprava bentô nas lojinhas da Liberdade e, às vezes, me permitia tomar também suco de soja, daqueles que vêm em saquinho e se bebe bem geladinho.

À medida em que a data do festival se aproximava, os dias foram ficando mais movimentados. Então, eu fazia plantão à noite no hotel, saía, descansava um pouco e, antes do outro plantão, ia ajudar em algo, onde precisasse. Nas vésperas só retornava à pensão para o banho.

No dia em que o presidente Ikeda chegou, eu estava no Velódromo do Ibirapuera, onde os ensaios estavam sendo realizados. Eu não estava de seiri. Já incorporado a meu grupo de plantão, aproveitava uma rara oportunidade - bem no meio do calor de tudo que acontecia, completamente à vontade, sem nenhuma atribuição, responsabilidade ou tarefa para cumprir – para observar e apreender o que fosse possível. Andei por todos os cantos, e num determinado momento, sozinho, num lugar completamente isolado, eu refletia e observava à distância a movimentação das pessoas. Foi dali que vi quando o ensaio foi paralisado. As pessoas pararam tudo o que estavam fazendo e se reuniram para ouvir a notícia: o avião com o presidente Ikeda tinha pousado na cidade de São Paulo. A vibração e eletricidade que percorreu o local foi indescritível. As pessoas se abraçavam, festejando. Ondas de alegria, de emoção, de alívio. Finalmente tinha acontecido. E eu ali, sozinho, sem poder abraçar ou cumprimentar alguém. E, ao mesmo tempo, abraçando a todos com o meu olhar. Eu também estava emocionado, alegre e feliz. Observava tudo de longe. Era 18 de fevereiro de 1984.

Uma semana depois, no dia 26, aconteceu o tão aguardado festival para celebrar o tão aguardado encontro. Mas o mais marcante mesmo tinha sido o dia anterior.

Sábado, dia 25, ensaio geral do grande evento – o 1° Festival Cultural e Esportivo da SGI no Brasil. Tudo sendo realizado como se fosse o próprio festival. O Ginásio do Ibirapuera lotado, com uma platéia formada por pessoas que, por motivos de limitação de espaço, não poderiam, por óbvio, estar no festival propriamente dito. E, logicamente, sabiam que não iam poder compartilhar com a presença do visitante ilustre, a quem era oferecido o festival. E o que aconteceu todo mundo já sabe: o presidente Ikeda lá compareceu, de surpresa. E, porque inesperado, o encontro foi altamente especial e as manifestações de uma espontaneidade mágica e comovente, sem maiores formalidades. O presidente Ikeda passando pela quadra, com os polegares erguidos. De xereta, eu estava lá.

No domingo, também a tudo assisti. Não as apresentações que, estas, para falar a verdade, não me interessavam muito. Do lado de fora do ginásio de esportes, o espetáculo que vi foi o das pessoas comuns, transformadas em grandes artistas da vida, no desempenho desmedido de seus esforços. A concentração, os momentos que antecediam cada apresentação. A torcida e expectativa de quem ficava, esperando sua vez de também se apresentar. A saída dos figurantes do ginásio, depois de se apresentarem, de volta ao local da concentração, com olhares brilhantes em faces mais brilhantes ainda, os sorrisos mais abertos que alguém poderia estampar, misturados com lágrimas de alegria e multiplicados em incontáveis rostos radiantes. Milhares de pessoas, cada um na sua singularidade, fazendo do seu trabalho individual o melhor de si, para compor uma extraordinária e complexa sinfonia de cores, luzes, sons. Uns no palco com seus trajes coloridos, instrumentos, bandeiras, lanternas, danças, painéis. Outros nos bastidores, com seus uniformes, posturas e esforços, coordenando a movimentação e zelando pelo bom andamento e segurança de todos. Cada um, contribuindo com sua nota particular para compor a gloriosa melodia da vitória.

Não são muitas as pessoas que podem testemunhar momentos encantados e inenarráveis, de um ponto de observação tão privilegiado. Só podiam mesmo deixar marcas indeléveis e invisíveis, que se incorporam por completo na vida de quem viu.

E quem viu pode contar.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Em fevereiro de 1984 eu atuava como vice-responsável da DR (hoje DMJ) do subdistrito Franco da Rocha.

(O nível da estrutura organizacional chamado “subdistrito” não existe mais, em seu lugar foi implantada a comunidade, para possibilitar às pessoas a participação em atividades em locais mais próximos de suas residências. Para implantação do sistema de comunidade, a BSGI toda foi reestruturada, primeiro em São Paulo, em torno da sede central. No interior da BSGI, Ribeirão Preto foi a primeira localidade a implementar a nova estrutura, num extraordinário trabalho de levantamento geral de famílias e recomposição organizacional e, hoje, é quase inacreditável que tudo tenha sido feito à base de lápis, borracha, caneta, máquina de escrever, fichas, papel sulfite, carbono. E muita vontade de acertar.)

À época e desde sempre, eu ouvia as histórias da 1ª (1960) e da 2ª (1966) visitas do presidente Ikeda ao Brasil, e a frustrada 3ª visita que, passados muitos anos, ainda não tinha ocorrido.

Pois era chegado o momento. A BSGI (na época ainda com a velha denominação de NSB) se movimentava em torno da ansiosamente aguardada 3ª visita do presidente Ikeda. Um grande festival estava sendo preparado para a ocasião e, claro, todos queriam participar.

O agitado final de 1983 e início de 1984 foi todo preenchido com os preparativos e ensaios para o festival. Os ensaios eram realizados em São Paulo, nos finais de semana. Às 5ªs feiras realizávamos as reuniões de daimoku (que chamávamos de shodaikai) na rua Paraíso (então residência da família Suzuki que, depois, se tornou a antiga Sede Regional). A maioria do pessoal participava da atividade de pé mesmo: não cabiam todos, e ficava mais gente fora do que dentro da sala - no alpendre, ao lado da janela, na calçada. Na sala superlotada o calor era quase insuportável, mas a atividade era imperdível de tanta animação – logicamente ainda nem podíamos imaginar o que seria realizar uma reunião numa sala ampla, com as pessoas devidamente acomodadas em cadeiras confortáveis, com ar condicionado...

Os ensaios aconteciam em praticamente todos os finais de semana, em São Paulo, e os participantes que faltassem corriam o risco de perder a vaga.

Todas as pessoas da localidade de Ribeirão Preto e região que participavam dos ensaios, o faziam como figurantes, exceto 4: eu, meu irmão Celso e mais 2 companheiros de desafio - o Antonio Quintilhano (já falecido) e o Moura.

O desafio dos 4 foi realmente grande, pois nosso objetivo era participar do seiri. Ocorre que o seiri era responsabilidade do Sokahan (grupo que à época tinha pouco mais de 1 ano de existência no Brasil), e não éramos membros do grupo (Celso, na verdade, fazia parte do Sokahan, pois estudava em São Paulo e lá tinha residência e atuação, tendo sido, inclusive, um dos fundadores do grupo – mas, como estava sempre em Ribeirão Preto, constantemente viajávamos juntos).

Quase todo o pessoal viajava em grupo, com ônibus fretado. Mas nós sempre íamos separados dos demais, em ônibus de linha, porque tínhamos que chegar antes (pois o seiri é o primeiro que chega, e o último que sai). Nosso retorno também era separado, sempre chegávamos em Ribeirão Preto muito depois.

Acho que éramos os únicos participantes do seiri que não moravam em São Paulo. E o fato de sermos do interior não nos conferia nenhuma regalia ou tratamento diferenciado. Até pelo contrário. Aliás, fomos autorizados a participar do seiri advertidos para o fato de que seríamos considerados como os demais, todos moradores em São Paulo, ou seja: locomoção, pernoite, alimentação, seriam tudo por nossa própria conta e risco. E nenhum privilégio como chegar mais tarde ou ir embora mais cedo do seiri. Só retornávamos depois de finalizados os trabalhos, e a dispensa geralmente se dava em uma reunião geral de encerramento.

Era extenuante. Depois de um final de semana movimentado, ainda tínhamos que nos deslocar para a rodoviária, noite adentro, cansados, com fome, sem dinheiro. Mas tudo era também apaixonante. Aliás, tudo era movido à paixão. O que nos fazia superar cansaço, fome, sede, incômodos.

25 anos depois, tudo retorna à minha mente: minha velha mochila de lona verde, minha roupa branca de seiri, as viagens nos ônibus do Cometa ou da Rápido Ribeirão, o frescor das madrugadas quando chegávamos no terminal rodoviário do Tietê, o metrô, o trajeto da rua Vergueiro até o Centro Cultural na rua Tamandaré, a parada na padaria da esquina para um pão com manteiga na chapa e um pingado, os deslocamentos na carroceria do caminhão de materiais, os ensaios, a movimentação, as pessoas chegando, ensaiando, lanchando, descansando, indo embora para suas casas, os pernoites nos locais mais inusitados, os companheiros mais incríveis que se pode conhecer, as brincadeiras, a seriedade, a rigorosidade, os treinamentos, os desafios, a sinceridade. Raríssimas oportunidades, numa extraordinária escola de vida, com aulas dinâmicas, intensas, reais.

E, 25 anos atrás, fevereiro de 1984 chegou.