segunda-feira, 26 de maio de 2008

Neste dia perfeito em que tudo amadurece e não é somente a fruta que se amorena, um raio de sol caiu sobre a minha vida: olhei para trás, olhei para a frente, nunca tinha visto tantas e tão boas coisas de uma só vez. Não foi em vão que enterrei hoje o meu quadragésimo quarto ano: eu podia enterrá-lo – o que nele era vida está salvo, é imortal.

(nietzsche – ecce homo)



No final de outubro de 1994 sofri um acidente de carro. Era por volta das 16:00 horas de um domingo. Eu retornava da cidade de São Carlos, onde tinha participado de algumas atividades. Tinha ido até lá para me encontrar com as pessoas, em especial um amigo, a quem quis tranquilizar com minha presença.

A primeira coisa que eu fazia, todos os dias, ao acordar e levantar da cama, era ligar o rádio. Sem que tivesse me dado conta disso, naquela manhã a rotina não se repetiu. Feitos os preparativos matinais, antes de sair para a viagem, fiquei um tempo sentado no sofá da sala, sozinho, pensando não sei o que, o que também não era meu hábito. Os fatos corriqueiros não passaram despercebidos do pessoal lá de casa. Alguém comentou, depois, que minha mãe havia perguntado se eu estava com algum problema porque, aparentemente, desde alguns dias eu estava um pouco diferente em alguma coisa. Não sei se eu estava mais quieto, mais introspectivo... a mim não parecia haver alguma diferença. Mesmo assim, aqueles últimos dias tinham tido, sim, algo diferente, não sei em que. E, naquela manhã em particular, eu estava me sentindo muito bem e na plenitude da minha sanidade física e mental. Acho que eu estava pronto.

A viagem de ida e a atividade transcorreram bem. Após, antes de retornar, almoçamos juntos. Na saída, como eu não sabia direito o caminho, segui com meu carro com o pessoal à frente, me guiando até perto do trevo. Lá chegando, paramos os veículos e nos despedimos antes de eu seguir viagem. Me lembro do último aperto de mãos, e só. Depois, a única recordação é do momento em que abri os olhos, já no quarto do hospital, e vi meus irmãos. Nunca perguntei a eles, mas penso que a visão que tinham de mim deitado naquela cama de hospital não era das mais agradáveis. Mas a minha visão deles foi familiar e reconfortante. Não sei se eu estava mesmo consciente, mas de alguma forma eu sabia que algo havia acontecido. Eu só não tinha ainda a noção exata do ocorrido.

Os amigos de São Carlos, quando ficaram sabendo do acidente (que foi na rodovia, perto da saída da cidade), correram ao hospital. Quando lá chegaram eu já tinha sido socorrido e, segundo me contaram, foram informados pelo guarda de que já podiam rezar por mim (depois de uns dias internado em São Carlos, fui transferido para Ribeirão Preto, trazido de ambulância – na última noite lá, aquele guarda foi me ver no quarto, para se certificar de que, realmente, além de não ter morrido, eu ainda estava inteiro).

Fui socorrido pelo Resgate que, dizem, passava pelo local logo após o acidente. Fui atendido no hospital pelo chefe da equipe de neurocirurgia que, no momento em que cheguei no hospital, fim da tarde do domingo, lá se encontrava.

Meses depois, ao retornar à São Carlos para vender ao ferro-velho o que sobrara do carro, ouvi do sucateiro: cadê os pedacinhos do cara que estava no carro? Respondi: o cara que estava aí continua inteiro; aliás, está mais inteiro ainda.

Até hoje não sei o que e como aconteceu. Vagamente entendo porque. Não sofri nenhuma dor em razão do acidente. Mas isso é motivo para outras postagens.