terça-feira, 2 de setembro de 2008

O conceito de flow foi desenvolvido na década de 60, pelo psicólogo Mihaly Csikszentmihalyi que, a partir do estudo do processo criativo, interessou-se pelo fenômeno da motivação intrínseca.

Motivação intrínseca é um tipo de atividade recompensadora por si mesma, independentemente de seu produto final ou de qualquer bem extrínseco que dela possa resultar. Nesse sentido, a leitura de um livro pode ser considerada uma atividade assim, quando o indivíduo o faz pela leitura em si, e não porque precisa estudar para uma prova.

Muitas pessoas certamente já experimentaram o estado de flow, ao se envolverem, por exemplo, em uma atividade, sem perceber o tempo passar. A perda da noção do tempo é, aliás, uma das características do flow.

A Psicologia Positiva – uma linha moderna da Psicologia - postula que, do ponto de vista do indivíduo, a felicidade seria o resultado do cultivo de emoções positivas em relação ao passado, presente e futuro.

Em relação ao momento presente, há 2 maneiras de se experimentar a felicidade: pelo prazer e pela gratificação.

Os prazeres são definidos como satisfações com claros componentes sensoriais e fortemente emocionais, que se caracterizam por serem passageiras e exigirem pouco, ou mesmo, nenhum raciocínio: o êxtase, o entusiasmo, o orgasmo, o deleite, o gozo, o conforto etc. Embora seja um componente da felicidade, o prazer, por si só, é incapaz de alcançá-lo - ao contrário do que a cultura ocidental e os apelos da sociedade de consumo podem fazer crer – notadamente pelo seu caráter efêmero e incapacidade de trazer complexidade ao self (não cabe aqui maiores discussões acerca do que seja self, mas digamos que se trate do “si mesmo”).

A gratificação, por sua vez, não é acompanhada, necessariamente, por qualquer sensação natural, e origina-se das atividades que gostamos muito de praticar e que nos envolvem, de tal forma que podemos até perder a noção da realidade. Durante tais atividades, sentimos que nossas habilidades atendem ao desafio que estamos fazemos, e entramos em contato com nossas forças pessoais. Ao nos engajar nessas atividades, entramos no estado de flow.

O estado de flow reúne as seguintes características: concentração intensa e focada, fusão entre ação e consciência, perda da autoconsciência reflexiva, sensação de controle sobre as próprias ações, distorção da experiência temporal e experiência de que a atividade é intrinsecamente recompensadora.

A característica mais importante de flow é a que guarda relação com a complexidade do self, na medida em que, ao tornar-se progressivamente mais complexo, o self cresce. Segundo Csikszentmihalyi, tal complexidade é resultado de 2 processos psicológicos: a diferenciação e a integração.

A diferenciação corresponde a um movimento em direção à individualidade, ou seja, da capacidade de diferenciar o “si mesmo” de outras pessoas. A integração, por sua vez, trata-se do oposto, correspondendo à união do self com outras pessoas, idéias e seres exteriores a ele.

A experiência de flow não apenas fornece um conjunto de desafios e oportunidades para a ação, mas também oferece um sistema de desafios graduais que leva o indivíduo a envolver-se com a atividade, contínua e profundamente, promovendo a gratificação e o aumento de suas possibilidades.

Qualquer atividade pode, potencialmente, levar uma pessoa ao flow. Quando uma pessoa engaja-se numa atividade que exige o emprego de suas forças pessoais, ela muito provavelmente experimentará, durante o exercício dessa atividade, os chamados momentos de flow que, ao proporcionarem gratificação, exercem um papel fundamental nos níveis de felicidade vivenciados por ela.

Pesquisas apontam que garotos que experimentaram altos índices de flow chegam à universidade, desenvolvem laços sociais mais profundos e são mais bem sucedidos do que seus pares com um índice menor desse tipo de experiência.

Outro dado importante, é que a experiência de flow pode depender da autoconsciência. Pessoas que conhecem suas forças pessoais podem buscar atividades em que elas são necessárias e, com isso, exercer um papel ativo no aumento de seus níveis de felicidade. Mais uma vez, o autoconhecimento torna-se fundamental.

síntese de matéria escrita por Lilian Graziano (psicóloga, doutora em psicologia pela USP), publicada na revista Psique Ciência e Vida (ano III – n° 8 – edição especial)

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