segunda-feira, 2 de junho de 2008

Os bosques são adoráveis, escuros e fundos,
mas tenho promessas a cumprir,
e milhas a trilhar antes de dormir,
e milhas a trilhar antes de dormir.
(Robert Frost)

Todos os dias fazemos coisas simples que, no fazer diário, se tornam automáticas, e nelas nem prestamos atenção. São coisas poucas, pequenas. Apesar disso, como são importantes. E não nos damos conta disso.

Uma das grandes alegrias que tive na vida foi quando consegui fazer algo assim, coisa pouca, simples e pequena. Mas, tive que me esforçar muito para conseguir. Foi por ocasião do meu acidente, ainda no hospital. Todo alquebrado, eu passava o dia inteiro deitado. Banho, inclusive, e outras necessidades tais, tudo na cama. Coisa de doente ou de acidentado.

Acho que fui um bom paciente. Tirando a preocupação natural que as pessoas têm nessas ocasiões, não devo ter dado maiores trabalhos a quem se dava ao encargo de cuidar de mim (aliás, quanta gente cuidou de mim, inclusive à distância).

Sempre que me mexia ou dava uma tossida, quem estava comigo também se mexia, para se certificar se estava tudo bem. Um dia resolvi me levantar da cama e ir ao toilete sozinho. A pessoa que estava comigo (que não me lembro quem era) deve ter pensado: ih, vai começar a dar trabalho.

Com algum custo e muita ajuda, consegui me colocar sentado naquela cama de metal do hospital e, depois, de pé, levando junto o suporte com o soro, me pus a caminho do destino. Lentamente, me apoiando em alguém, venci os poucos metros - que poderiam ser quilômetros - e, triunfante, cheguei lá. Consegui!

Parece pouco. Aos normais realmente é pouco. A mim, a partir daquele dia, esse simples ato passou a ser quase uma celebração diária de independência: levantar da cama, ir ao banheiro, fazer a higiene pessoal e começar o dia!

Tive uma fratura exposta no lado esquerdo da cabeça. Uma abertura de alguns centímetros, uns ossos triturados e nervos lesionados. Alguns dias depois do acidente, ainda no hospital, uma paralisia facial no lado esquerdo do rosto, que perdurou por algumas semanas e, até hoje, deixou sobras. Por um tempo, fiquei com a cara torta - eu só movia o lado direito do rosto, a outra metade paralisada. Além disso, minha capacidade de compreensão e de pronunciar as palavras foi afetada. Era muito estranho, porque eu sabia ler as palavras, mas não entendia mais o significado delas. Lia o mesmo trecho de letras várias vezes, sem entender bulhufas o que estava escrito. Para falar acontecia mais ou menos o mesmo: eu queria falar algo, mas não encontrava as palavras para me expressar, e ficava repetindo as mesmas coisas.

Então eu estava assim: com o rosto torto, mal conseguindo ficar de pé, repetindo as mesmas palavras. Não devem ser poucos os que, ao me ver, pensaram: dessa ele escapou mas, em compensação...

A única vez que andei de cadeira de rodas foi quando tive alta: do quarto até a saída do hospital. Com algum esforço fui colocado no carro. Meu irmão na direção. Fazia muito tempo que eu não via as ruas, o movimento, a cidade. Não me lembro qual dia era aquele, do clima ou do trajeto por onde passamos, mas a sensação de estar voltando para casa é ótima. E eu estava louco para voltar para casa.

Lá chegamos. Mais uma vez todo o trabalho para eu sair do carro, passar pela porta e vencer alguns degraus. Finalmente, na sala de casa. Sentei-me na cadeira diante do oratório. Todos esses dias sem ver o Gohonzon. Eu queria recitar o daimoku. Não sei quanto tempo fiquei ali, sentado, tentando pronunciar o daimoku. Alguns segundos? Alguns minutos? Não sei. O que me lembro daquele instante é que me emocionei muito. Ali, sentado, com as mãos postas em oração, o tempo não tinha nenhuma importância, e um pensamento claro me veio de súbito: venci, estou vivo!!! Chorei. E uma sensação nova de alegria me invadiu. Não a alegria de conseguir algo, de encontrar alguém, ou de qualquer outra coisa, mas a alegria solta de estar vivo, pura e simplesmente. Foi a única vez que tive a intensidade dessa sensação, brotando espontaneamente. A vibração daquela alegria ainda reverbera em mim e, não poucas vezes, me mantém ainda vivo e humano.

Naquele momento fiz um juramento. Não uma promessa ou uma decisão, mas um juramento de vida. Penso que uma promessa ou decisão se esgotam no momento em que você consegue aquilo que prometera ou decidira. Um juramento, ao contrário, não se esvai e nem tem condicionantes. Nunca ser derrotado, foi o que jurei. Jurei nunca ser derrotado. Para quem havia vencido a morte inesperada, me pareceu fácil.

Sim, está decidido: morrerei de viver. E, se tombar no campo de batalha, será de pé.

3 comentários:

Flor de Bela Alma disse...

Eu te amo. Você me fez ficar arrasada de alegria- tristeza. Não existe ninguém como você nesse mundo. Eu tenho muita sorte! As lágrimas me invadem.Como não me emocionar? Te amo e uma certeza eu tenho: é o amor da minha vida. Não há nem antes, nem depois. Meu tempo é vc! Minha casa, meu norte, minha vida!

Hélio Y. Fuchigami disse...

Oi...
Queria dizer... comentar... louvar... mas com que palavras?
Só sai: F-A-N-T-Á-S-T-I-C-O!!!

(sabia que todos os dias eu entro no seu blog a procura de novas postagens? espero que estas nunca saiam do ar ou terei que copiá-las antes...)

Abraço!

Anônimo disse...

Quando isto tudo aconteceu você pra mim era uma lenda...Alguns anos depois nos aproximamos. Dizem que a intimidade é devastadora, aniquila com os mitos... Felizmente, esta não é a nossa estória!!! O meu respeito, carinho e gratidão estarão sempre presentes!!!Fique por perto!