quarta-feira, 18 de junho de 2008

A invencibilidade reside na defesa, a possibilidade de vitória, no ataque.
(Sun Tzu)

Na turbulenta época dos estados guerreiros na China, há 2.500 anos, Sun Tzu, um filósofo-estrategista, escreveu o mais antigo tratado de guerra e estratégia: A Arte da Guerra.

Nele, Sun Tzu ensina que o segredo da invencibilidade é a defesa.

Na guerra como na vida, ser invencível é não perder, não ser derrotado. É não ser atingido por nenhuma bala. É não bater o carro, não adoecer, não se acidentar. Para um time de futebol, não perder é, primeiro, não tomar gol. É preciso saber se defender. Atenção, cautela, cuidados.

Mas, não perder, apenas, é mais ou menos como se fosse um empate. Pode não ser pouco, mas também não é tudo. Sun Tzu ensina, então, que a chave para a vitória é o ataque. Não basta, pois, se defender: é preciso atacar, é preciso agir. Numa corrida de Fórmula 1, não bater o carro não é suficiente, é preciso ser veloz. É preciso ser pró-ativo.

Pode-se ter uma ótima defesa, mas um péssimo ataque: não se perde, mas também não se ganha. A vida deve ser saudável, mas não precisa ser monótona.

Pode-se ter um excelente ataque, e uma defesa deficiente: o ataque é positivo, com muitos gols, mas os tentos sofridos acabam anulando o resultado final. Diverte-se muito, mas aproveita-se pouco.

O que Sun Tzu não disse é que uma ótima defesa e um excelente ataque também não bastam, em si. Há que haver uma sustentação, algo que possibilite a junção entre a defesa e o ataque. Uma sustentação, talvez, ideológica, que a tudo dê sentido e vá além de uma defesa vã ou um ataque fútil.

Ideal, defesa e ataque. Coragem, cautela e ação. Objetivo, planejamento e realização. Fé, prática e estudo. São nomes diferentes para o mesmo princípio.

Na geometria, um ponto é um ponto. Dois pontos formam uma reta. E três pontos definem um plano no espaço. Um tripé não manca – seja uma cadeira, uma mesa ou qualquer outro objeto. Há um equilíbrio natural, porque 3 pontos formam um único plano no espaço. É o que se chama “plano perfeito”. É o princípio básico. É o início fundamental.

A defesa é o estudo – o kyogaku. É o conhecimento, a inteligência, a sabedoria. Prevenção. Conhecimento. Planejamento. Natureza. Mente. Nyoze-sho.

O ataque é a prática – daimoku, chakubuku, atividades. É o fazer, a ação, a realização. É ostensivo. Corpo. O que aparece. O que se vê. Nyoze-so.

O estudo nos torna saudáveis, resistentes, invencíveis. A prática nos faz ativos, atuantes, vibrantes. A fé – crença, ideologia, vontade, coragem - dá sentido e direção, consolida e sustenta os pensamentos e as ações. Entidade. Nyoze-tai.

Equilíbrio natural, sem malabarismos.

Shin-gyo-gaku.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Os bosques são adoráveis, escuros e fundos,
mas tenho promessas a cumprir,
e milhas a trilhar antes de dormir,
e milhas a trilhar antes de dormir.
(Robert Frost)

Todos os dias fazemos coisas simples que, no fazer diário, se tornam automáticas, e nelas nem prestamos atenção. São coisas poucas, pequenas. Apesar disso, como são importantes. E não nos damos conta disso.

Uma das grandes alegrias que tive na vida foi quando consegui fazer algo assim, coisa pouca, simples e pequena. Mas, tive que me esforçar muito para conseguir. Foi por ocasião do meu acidente, ainda no hospital. Todo alquebrado, eu passava o dia inteiro deitado. Banho, inclusive, e outras necessidades tais, tudo na cama. Coisa de doente ou de acidentado.

Acho que fui um bom paciente. Tirando a preocupação natural que as pessoas têm nessas ocasiões, não devo ter dado maiores trabalhos a quem se dava ao encargo de cuidar de mim (aliás, quanta gente cuidou de mim, inclusive à distância).

Sempre que me mexia ou dava uma tossida, quem estava comigo também se mexia, para se certificar se estava tudo bem. Um dia resolvi me levantar da cama e ir ao toilete sozinho. A pessoa que estava comigo (que não me lembro quem era) deve ter pensado: ih, vai começar a dar trabalho.

Com algum custo e muita ajuda, consegui me colocar sentado naquela cama de metal do hospital e, depois, de pé, levando junto o suporte com o soro, me pus a caminho do destino. Lentamente, me apoiando em alguém, venci os poucos metros - que poderiam ser quilômetros - e, triunfante, cheguei lá. Consegui!

Parece pouco. Aos normais realmente é pouco. A mim, a partir daquele dia, esse simples ato passou a ser quase uma celebração diária de independência: levantar da cama, ir ao banheiro, fazer a higiene pessoal e começar o dia!

Tive uma fratura exposta no lado esquerdo da cabeça. Uma abertura de alguns centímetros, uns ossos triturados e nervos lesionados. Alguns dias depois do acidente, ainda no hospital, uma paralisia facial no lado esquerdo do rosto, que perdurou por algumas semanas e, até hoje, deixou sobras. Por um tempo, fiquei com a cara torta - eu só movia o lado direito do rosto, a outra metade paralisada. Além disso, minha capacidade de compreensão e de pronunciar as palavras foi afetada. Era muito estranho, porque eu sabia ler as palavras, mas não entendia mais o significado delas. Lia o mesmo trecho de letras várias vezes, sem entender bulhufas o que estava escrito. Para falar acontecia mais ou menos o mesmo: eu queria falar algo, mas não encontrava as palavras para me expressar, e ficava repetindo as mesmas coisas.

Então eu estava assim: com o rosto torto, mal conseguindo ficar de pé, repetindo as mesmas palavras. Não devem ser poucos os que, ao me ver, pensaram: dessa ele escapou mas, em compensação...

A única vez que andei de cadeira de rodas foi quando tive alta: do quarto até a saída do hospital. Com algum esforço fui colocado no carro. Meu irmão na direção. Fazia muito tempo que eu não via as ruas, o movimento, a cidade. Não me lembro qual dia era aquele, do clima ou do trajeto por onde passamos, mas a sensação de estar voltando para casa é ótima. E eu estava louco para voltar para casa.

Lá chegamos. Mais uma vez todo o trabalho para eu sair do carro, passar pela porta e vencer alguns degraus. Finalmente, na sala de casa. Sentei-me na cadeira diante do oratório. Todos esses dias sem ver o Gohonzon. Eu queria recitar o daimoku. Não sei quanto tempo fiquei ali, sentado, tentando pronunciar o daimoku. Alguns segundos? Alguns minutos? Não sei. O que me lembro daquele instante é que me emocionei muito. Ali, sentado, com as mãos postas em oração, o tempo não tinha nenhuma importância, e um pensamento claro me veio de súbito: venci, estou vivo!!! Chorei. E uma sensação nova de alegria me invadiu. Não a alegria de conseguir algo, de encontrar alguém, ou de qualquer outra coisa, mas a alegria solta de estar vivo, pura e simplesmente. Foi a única vez que tive a intensidade dessa sensação, brotando espontaneamente. A vibração daquela alegria ainda reverbera em mim e, não poucas vezes, me mantém ainda vivo e humano.

Naquele momento fiz um juramento. Não uma promessa ou uma decisão, mas um juramento de vida. Penso que uma promessa ou decisão se esgotam no momento em que você consegue aquilo que prometera ou decidira. Um juramento, ao contrário, não se esvai e nem tem condicionantes. Nunca ser derrotado, foi o que jurei. Jurei nunca ser derrotado. Para quem havia vencido a morte inesperada, me pareceu fácil.

Sim, está decidido: morrerei de viver. E, se tombar no campo de batalha, será de pé.